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domingo - 06/11/2016 - 06:42h

A dor de uma saudade – Pedaços da alma

Por Marcos Pinto

Quando  eu  for, um  dia desses

Poeira  ou  folha  levada

No   vento  da   madrugada ,

Serei    um  pouco  do  nada

invisível ,   delicioso“.   (Mário   Quintana).

Assoma  enigmática  e  cruciante.   Traz  consigo  espectros  dolentes   de  pedaços  da  alma.    Magistral, entre  soluços  de  dor, desliza   na tépida  face  a   lágrima  mais  bonita  do  sentimento  humano  –   a  lágrima  da  saudade.  Nasce   de   risos   que   já  se  foram,  de  sonhos  que não  se  acabam,  e  de   lembranças  que  jamais  vão  embora.

Lágrima  que  emblematiza   e    amalgama-se   nos  mistérios  envolventes  da  saudade.   Nessa  saudade,  reside  a  certeza  de  que  algo  muito especial   ocorreu   em  nossas  vidas.    Saudade  que  não   mata, mas  fere  todos  os  dias. Na  envolvente  alquimia  das  imagens    do passado, surge    a   firme  convicção   é  e   sempre   será  a  sentença  de  um  morto  que  chora  pedaços  da  alma.   O que  é  o  amor,   senão   o desenrolar   espectral    de  uma  futura  e  incisiva   saudade ,  perfilando  os  nossos  mortos   para  que  permaneçam   tão  vivos,  como  se vivos fossem.

A amplitude  envolvente  do  transcendental  bem-querer   sentencia, sem  recuos,  que  em  cada  ausência  notada  e  anotada  existe  uma   eternidade.   Eternidade   de  noites  mal  dormidas    pelo   assédio  de  remorsos   oriundos   de   fraquezas  e  indecisões.   Na  célere   procissão das  interrogações ,  o  sorriso  segue   na  frente    mentindo  e  escondendo  a  sua  dor.

Alguém  já   estigmatizou  no   epitáfio  do  coração,  que   ” a  saudade   é  um   sentimento  que,  quando  não   cabe   no  coração  escorre  pelos olhos”.   Fuga  dos  momentos  ou  momentos  de  fuga?.   Saudades   certas  de  momentos  certos  de  certos  momentos   de  pessoas  que  deixaram  o  seu  inconfundível   DNA    em  nossa   geografia  do  bem-querer.

Socorrem-me  tons  soturnos  de  devotada  cadência   sentimental.   Diante  tamanha  tristeza ,  como  não  sucumbir, afogado  no  sofrimento em  pranto ?.  Onde  estão  os  meus  mortos  queridos ?.   Como  não  quebrar  o  suporte  que  guarda  os  pedaços  da  alma?.

Onde  encontrar  um  oásis  de  alento  no  deserto  da   minha  alma ?.  Não  tenho, ainda,  um  coração  amigo   onde  possa  haurir   sonhos  e procurar  o  indescritível  alívio  da  confidência.   Onde  e   como  escoar  as  mágoas, ,   pesares    e   desgostos ?.  A  alma,  já  cansada  e desiludida,  segue  acabrunhada  de  pensamentos  tristes, cruciantes  como  remorsos.

Delineia-se  um   perfil  de  ingente  dor,  sob  o   látego  do  castigo  do  céu.  O  desalento  tinge  com  crepe   a  intensidade  da  cena,  dolorosa  e    de   imaginação  acesa,  fecunda  em  descrição.   Sigo,  ungido  e  consumido  pelas  sombras  do  remorso,  por  não  ter  feito  mais  e  sempre  mais  em  forma  de  caridade   e  fé.   É  mais  fuga  que  desvario  desenfreado.  Quero  minha  alma  estrangulada  pelo   mais  querido  dos  afetos.

Enchamos  o  nosso  baú  de  saudades   com  as  reminiscências  mais  antigas   dos  nossos  entes  queridos,  que   vivem   sob  o  resplendor  da  luz  divina.   Façamos  da  renúncia  um  traço  de  originalidade  da  alma.   Vida  que  é  sempre  um  monólogo  de  interesse  e  de  sonho.   Ou  você  segue  a  vida  com   o  sobressalto  da  esperança  ou  com  a  amargura  do   desespero.  Nesse  caminhar  merencório,  adote  a  mesma  grandeza   dos  ricos  de  espírito.

Fuja  do   mesmo   mudo  espanto,  sem  deixar  de  entoar   o   seu  singular   canto.   A   lufada    de  vento  que   brinca  com  a  folha  seca   é  a mesma   que  fica    ruminando   alguma  coisa  de  alma  penada,  num  segredar   entrecortado  de   alguma  coisa  retardada   de  há   muito.

Sigo   o  meu  destino   com  a  mesma   obstinação  desencontrada.   Desenvolvo  minhas  palavras    gesticulando  para  o  lado  de  dentro  da sensatez.  São  raríssimos     os  que  conseguem  ser  maiores  que  a  desgraça  e  o  desalento.

Inté.

Marcos Pinto é escritor e advogado

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Categoria(s): Crônica

Comentários

  1. naide maria rosado de souza diz:

    Marcos Pinto. A sua crônica, não sei como dizer, me entristeceu. Posso não estar num bom momento, me pegou de quina. Tenho uma forma de lidar com a saudade. Aprisiono os entes amados que partiram em meu coração de tal forma que não os deixo escorrer pelos meus olhos. Um desses entes, uma irmã, está tão comigo que, às vezes, pego-me conversando com ela, sem vê-la, mas sentindo-a. Aprendi, já bem adulta, a entender o ciclo da vida. Entendi, mas com uma ressalva importantíssima : não pode haver inversão no ciclo. Filhos não podem ir antes dos pais. Deve ser insuportável. Que no meu caminho prevaleça o “sobressalto da esperança”, porque tenho certeza que não faço parte dos raríssimos “que conseguem ser maiores que a desgraça e o desalento.”

  2. Marcos Pinto. diz:

    Obrigadooo Naide Maria, inteligente e exponencial em talento cognitivo e intelectivo. Em você, evidencia-se o DNA do grande mossoroense DIX-HUIT ROSADO SERRA GRANDE – Grande no porte físico e no manancial intelectual e humanístico de que era detentor. Tenho uma filhinha evolada aos 6 anos e 10 meses em 30.07.1999, que é minha companheira de todos os momentos. É ela que me faz forte e perene em minha irredutível fé – bálsamo para todas as minhas dores, físicas e espirituais.
    Fico a perguntar porque você não envereda, também, na seara de escritora, publicando seus artigos, que, com certeza, serão antológicos, principalmente trazendo à lume fatos históricos ainda inéditos, vividos por você ao lado dos seus honrados genitores. Sei que és uma nobre de quatro costados, posto que dona Naide era componente da tradicional e nobre família Medeiros, de origem portuguesa, a exemplo da não menos nobre e tradicional família ROSADO. Tenha, ao lado dos demais familiares, uma abençoada e profícua semana. Forte abraço.

  3. naide maria rosado de souza diz:

    Marcos Pinto. Continuo emocionada com sua Crônica e com sua vida. Obrigada pelos elogios. Não os mereço, Serra Grande, sim.
    Quanto à escrever, não me vejo preparada. Aliás, tenho comigo dois netos. Minha filha, a mãe deles, trabalha demais e precisa de minha ajuda. Falta-me tempo. Por vezes, minha casa parece uma creche. Também lhe envio um forte abraço.

  4. Nazaré Brandão Noronha diz:

    Não poderia ser diferente você Marcos Pinto, inteligentíssimo nota mil…Parabéns!!! Que Deus te abençoe, continue assim fazendo as pessoas felizes ao ler cada artigo seu. Tenho uma inveja boa; um dia quero ser igual a você.
    Nazaré Brandão Noronha. MANAUS-AM.

  5. AMILTON SÉRVULO DANTAS diz:

    Tive a oportunudade recentemente
    de trocar algumas palavras com esse magnífico rapaz.
    Confesso que foi muito agradável o breve
    bate papo. Você é show Dr. Escritor.
    Parabéns pela texto.

  6. Vilmaci Viana diz:

    O ilustre escritor apodiense Marcos Pinto é um expoente da literatura potiguar.
    Apodi dos índios tapuias paiacus se orgulha dos seus feitos em prol da nossa memória literária.
    Abraços
    Vilmaci Viana

  7. Esmak Soares diz:

    Magnífico texto que une tom poético ao pensamento filosófico. Confesso que desconhecia esse talento do meu amigo, que já é um afamado Historiador e Genealogista!

    Parabéns, Doutor Marcos!

  8. Milene Pinto Rosado diz:

    Parabéns meu irmão, muito lindo seu texto, como sempre expressando sua grande e admiravel inteligência. Te amo.

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