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domingo - 08/10/2017 - 08:34h

A primeira vítima

Por Paulo Linhares

No VII Encontro Internacional do Conpedi – Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Direito – realizado em Braga, Portugal, de 7 a 8 de setembro de 2017, um dos poucos oradores  a se pronunciar por ocasião da solenidade de abertura foi o Prof. Dr. Luiz Carlos Cancellier de Olivo, reitor da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) – empossado em 11 de maio de 2016, para um mandato de 4 anos.

Brilhante e conciso discurso, em que enfocou as raízes açorianas de Florianópolis e a importância daquele evento acadêmico ser realizado em terras portuguesas. Depois veio a fala de Pilar del Rio, esposa do falecido escritor português José Saramago, principal oradora da noite e que proferiu palestra intitulada Deveres humanos: simetria dos direitos conquistados. Eu vi e ouvi, estava lá também.

Entretanto, ninguém naquele seleto auditório da Universidade do Minho poderia imaginar que dias depois, no dia 14 de setembro, a vida do reitor Cancellier de Olivo daria uma radical, inesperada e triste guinada: foi preso pela Polícia Federal brasileira numa investigação conduzida pela delegada Érika Marena, uma das figurinhas carimbadas da Operação Lava Jato, em cumprimento ao decreto de prisão emitido pela juíza federal Janaína Cassol Machado que, além da desnecessária e humilhante privação temporária da liberdade, determinou que o reitor sequer poderia entrar em qualquer das instalações da UFSC, a despeito de não existir qualquer indício de sua participação direta na prática de crime; estaria, segundo a julgadora, apenas a obstruir as investigações. Como geralmente tem ocorrido, viu-se mesmo foi o uso açodado das prisões provisórias que dá o tom espetaculoso e midiático às operações desses entes federais envolvidos  no combate à corrupção.

Com efeito, segundo informa o El País, edição brasileira, essa investigação  dirige-se a “uma organização criminosa que teria desviado recursos de cursos em Educação a Distância, oferecidos por programas da Universidade Aberta do Brasil (UAB) na UFSC. O dinheiro teria sido desviado entre 2006 e 2017, inclusive, para pessoas sem vínculo com a universidade, como parentes de professores e até um motorista”. E o reitor da UFSC nada tinha a ver diretamente com isso, mas, no sentir da autoridade policial teria criado obstáculos ao desenvolvimento da ação investigativa.

O reitor da UFSC sofreu a humilhação de ser preso, algemado e despido, algo que, lastimavelmente, é uma pratica cada vez mais banal e corrente no seio da Sacra Aliança da Moralidade Pública (juízes implacáveis, anjos vingadores do Ministério Público e Polícia Federal),  agora manchada no sangue de sua primeira vítima que, não suportando os vexames e humilhações sofridos que lhe imprimiram n’alma profunda e insuperável dor moral, cometeu suicídio ao se jogar do quinto andar de um luxuoso centro de compras de Florianópolis.

Assim, uma bela história de vida e superação de adversidades, terminou aos 59 anos, no granito insensível do templo de consumo. Era  natural da Cidade de Tubarão (SC), de origem humilde, sendo filho de um costureira e de um operário da Companhia Siderúrgica Nacional. Bacharel, mestre e doutor em Direito, galgou pelo voto de seus pares honrosos cargos acadêmicos na sua alma mater, a UFSC, chegando ao mais alto desses, o de reitor.

Ressalte-se que a prisão injusta e desnecessária do reitor Cancellier foi revogada dias após pela juíza federal Marjôrie Cristina Freiberger, que substituiu Janaína Cassol Machado, ausente por razões de ordem médica.

O sensato gesto da juíza Freiberger lamentavelmente não foi capaz de mitigar a dor do reitor Cancellier que, a um amigo íntimo, o jornalista Carlos Damião, do jornal Notícias do Dia, afirmou: “É uma coisa da qual nunca vou me recuperar”, pois “todos os presos são tratados assim, despidos, constrangidos, com as partes íntimas revistadas. Depois são encaminhados ao pessoal do DEAP (Departamento de Administração Prisional), para serem acomodados nas celas”.

Cancellier fez de sua morte trágica um gesto político de protesto contra os excessos ultimamente cometidos no seio dessa aliança institucional que envolve a Justiça Federal, o Ministério Público e a Polícia Federal. Aliás, sobretudo no contexto da Operação Lava Jato, outras vítimas importantes têm aparecido, além dos prejuízos incalculáveis que tem causado à economia nacional, com a destruição de centenas empresas (da construção civil pesada, do mercado financeiro, da área do petróleo e do agronegócio) e milhares de empregos.

Inegável que a luta contra a corrupção deve ser levada a frente sem margem a retrocessos, mas, pautando-se sempre no respeito a um conjunto de garantias individuais e coletivas plasmado na Constituição. Os excessos das prisões provisórias (preventivas e temporárias), das conduções coercitivas, da apreensão de bens, dos julgamentos em que são impostas severas penas sem provas cabais, baseadas em delações de criminosos confessos que tudo dizem e a todos acusam, como impõe os representantes do Ministério Público, para um enorme abrandamento de pena e de benefício patrimonial.

Excessos esses denunciados pelo Procurador Geral do Estado de Santa Catarina, João dos Passos Martins Neto que, em depoimento ao mesmo El País – Brasil, resume:

Que o legado do Professor Luiz Carlos Cancellier de Olivo seja, em meio a tantos outros bens que nos deixou, também o de ter exposto ao País a perversidade de um sistema de justiça criminal sedento de luz e fama, especializado em antecipar penas e martirizar inocentes, sob o falso pretexto de garantir a eficácia de suas investigações”.

E disse tudo que haveria de ser dito.

Cabe à sociedade brasileira refletir sobre os excessos e abusos que a ditadura judiciária, em implantação no Brasil, começa a causar às instituições jurídico-políticas nacionais, antes que seja tarde demais, como foi para o nobre reitor Luiz Carlos Cancellier de Olivo. Tenebrae factae sunt.

Paulo Linhares é professor e advogado

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Categoria(s): Artigo

Comentários

  1. João Claudio diz:

    Oxalá todos os corruptos brasileiros se espelhem no reitor e façam o mesmo.

    Sugiro ainda que não pulem do 5 andar, e sim do 30º. A viagem para o ‘outro lado” é mais garantida.

    • Inacio Rodrigues diz:

      Esse é o “cidadão de bem” do Brasil atual. Julgou, condenou e comemorou a morte do próximo, sem nunca ter visto uma folha dos autos. Ótimo exemplo pros filhos. Parabéns.

      • João Claudio diz:

        O reitor pulou para a morte, porque tem culpa no cartório.

        Jamais cometeria o ato se fosse inocente. Repito: JA-MA-IS.

        O que o reitor fez, é o mesmo que os corruptos japoneses fazem quando são pegos roubando. A vergonha é que os faz cometerem o suicídio.

        Lembrando que, se esse cidadão não fosse reitor, fosse um PPP, a sua morte não estaria sendo discutida em nenhum lugar do país.

        Lembrando ainda que mais de 12.000 pessoas cometem suicídio todos os anos no país, e em nenhum dos casos, a maioria PPP, são motivos de preocupações entre os brasileiros, exceto entre seus familiares.

        Já o suicídio do reitor….

        Ora, ora. Vão procurar uma lavagem de roupa suja.

        Finalizando, não existe nenhuma diferença entre um reitor, um ‘dotô’, um presidente da republica e um PPP.

        Vamos acabar com essa desigualdade. Todos são iguais.

  2. naide maria rosado de souza diz:

    Professor Paulo Linhares.
    Muito oportuno o seu texto. Seria a operação “Ouvidos Moucos”?
    Há poucos dias, pessoa amiga , sabendo que sou frequentadora assídua do “Nosso Blog” , questionou-me sobre esse lamentável episódio de nossa história.
    Não, eu não sabia nada a respeito. Segundo informações o acontecimento foi trágico e sofrido. Corpo docente e discente da Universidade de Santa Catarina verteram lágrimas. Cancellier era muito amado e respeitado.
    Nenhum excesso é bem-vindo em nenhuma esfera. A procura da fama e das luzes provou ser mortífera. Perdemos pessoa de grande valor. Resta-nos o seu legado e a certeza de que ações exageradas, sem limites e precipitadas levam à tragédia.
    Jornalista Carlos Santos . Penso que a operação “Ouvidos Moucos” ficou bem registrada aqui.
    Parabéns, Prof. Paulo Linhares.

  3. naide maria rosado de souza diz:

    A notícia está aqui!

  4. FRANSUÊLDO VIEIRA DE ARAÚJO diz:

    É isso mesmo meu Caro Inácio Rodrigues, os moralistas sem moral desde o princípio do golpe espalharam e continuam sua sanha de insensatez, obscutantismo e ignorância política a disseminar o ódio como arma política, e o pior, sob a suposta certeza de um suposto combate à corrupção.

    Quando na verdade, estamos a vivenciar uma era macartista em pleno século XXI em terras brasilis, onde as pssoas sob a aramdura de uma suposta indignação no conhecido e manjado discurso udenista contra corrupção, na verdade espasmos repetidos espasmos de medo e ignorância poltica o tornam capazes de quaisquer atos de acusação, infâmia , incriminação à todos e a qualquer preço, sobretudo quando direcionadas ao Partido dos Trabalhadores e seu Líder maior.

    Dia- dia, constatamos um novo advento da censura com o absurdo uso do jurica´rio na tetniva de censurar peças e expoisção em musues de todo o BRASIL, incitação ao ´dio religioso, perseguições às religiões de matriz africana, assim como o recrudecimento do racismo, dos linchamentos, das agressões e matança de homossexuais, jovens e mulheres.

    Não ha como desvicular essses acontecimentos e fatos, posto que a onda conservadora mundial e, sobretudo em nosso páis,fez com que, defintivamente a extrema direita saisse do armário e, por via de consequencia, não se faz e nem se presta nenhuma novidade, a disseminação do medo, do ódio, do imobilismo social e da ignorância como arma poltica, desde sempre utilizada pelos neo-liberais e conservadores historicamente vinculados à Casa Grande daqui e de alhures.

    Não importa o prorquê, a existência e (ou) inexistência de provas, para esses moralistas sem moral, o importante é caluniar, difamar e espalhar sua cólera aos quatro cantos do mundo. Mormente quando Julgam sem nenhum amparo fatico e jurídico, condenam e comemoram a morte , condenação e (ou) prisão do suposto corrupto e ladrão e (ou) corrupto , de preferência, claro, se for do PT, sendo para essas figuras, mais que um exemplo magnânimo, um livro de história para seus filhos.

    Nesse contecxto, não há como deixar de subinhar qaunto a responsabilidade direta da chamada grande imprenssa, essa sim, mais que qualqier outra instituição de grande responsabildiade social, diariamten julga, condena, e muitas vezes, também comemora a morte política dos adversários, tratado como inimigos, sobretudo quando de partidos de esquerda, no que, por via de consequência, leva grande parcelas da sociedade dissemair o odio como arma poltica.

    Para quem não sabe, a partir de 1947, o senado americano, com o apoio do FBI, também passou a perseguir acusados de “atividades antiamericanas”. O grande entusiasta desta era de paranoia e acusações injustas foi o senador Joseph McCarthy, que deu origem ao termo “macartismo”. McCarthy, com um discurso baseado no medo, contou com o apoio de boa parte da população para perseguir não apenas comunistas, como homossexuais, artistas, negros e toda uma ´serie de grupos e pessoas que não comungavam com sua conservadora, atavbliária e autoritária fomra de pensar.

    Neste período triste, os executivos do cinema criaram a “Lista Negra de Hollywood”. As pessoas que entravam para tal lista eram impedidas de trabalhar no cinema simplesmente pelo fato de serem de esquerda.

    No caso da nossa magnânima e proba imprensa tupiniquim (ÚNICA VIRGEM DO PUTEIRO), coisa muito parecida sempre ocorreu e ocorre desde sempre em nossas redações sejam elas televisivas ou não, a diferença é que o nosso conhecido monopólio da informação, jamais assumiu e (ou) assumirá a abosluta falta de isenção, honestidade e imparcialidade com que normalmente pauta e trata a responsabilidade de bem infromar o povo brasileiro.

    Um baraço

    FRANSUÊLDO VIEIRA DE ARAÚJO.
    OAB/RN. 7318.

  5. François Silvestre diz:

    Se esse congresso tivesse autoridade moral já teria votado a Lei de Abuso de Autoridade. Sem dar satisfações às castas e seus aparatos de fascismo. O problema é que os fascistas sabem utilizar a fragilidade moral de outras “instituições” assemelhadas. Paiseco destogado.

  6. Eleves Alves diz:

    Suicídio é uma ótima saída. Vargas, por exemplo, sabia muito bem o que havia aprontado.
    A UFSC vem plantando bananeira nos cofres públicos faz tempo. Aqui neste ‘erre ene vezes’, se alguém for procurar, vai encontrar uma longa pista a respeito.
    Consciência culpada é coisa séria. Aliás, sempre foi.

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