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domingo - 03/09/2017 - 04:25h

A reinvenção do óbvio

Por Paulo Linhares

É incrível a capacidade que tem a elite brasileira, os donos do poder e seus serviçais, de dizer a mesma coisa de modos diferentes, isso quando não parte para reinventar até o que não pode (nem deve) ser reinventado. Na maioria das vezes, a solução está em reescrever simplesmente algum rótulo e manter o mesmo conteúdo.

Mais ou menos nos limites da receita ‘revolucionária’ dos conservadores de todos os matizes saída da mente taciturna de Tancredi Falconieri,  personagem do escritor italiano Giuseppe Tomasi di Lampedusa, na obra-prima Il Gattopardo (O leopardo): “Se vogliamo che tutto rimanga come è, bisogna che tutto cambi” (“tudo deve mudar para que tudo fique como está”, numa tradução livre).

Às vezes até, no mundo da política, é preciso dar “um passo à frente e dois passos atrás”, como definiu pragmaticamente o líder russo Vladimir  Lênin, para definir aqueles recuos necessários ao processo da acumulação de forças.

Foi isso que se fez recentemente na Comissão de Reforma Política, da Câmara Federal, quando os deputados que a compõem decidiram extirpar a excrescência que é a coligação partidária nas eleições parlamentares, um reclamo dos mais antigos de grande parcela dos estudiosos do Direito Eleitoral brasileiro. E foram além do permitiria o bom senso republicano.

Como até agora era regra vigente, a coligação traduzia a falência do sistema partidário na medida em que infundia vigor político àquelas agremiações partidárias sem maior representatividade social, os tais “partidos nanicos”( ou nanopartidos, como dizemos) cujas existências servem unicamente aos propósitos de serem legendas de aluguel para benefício financeiro de seus ‘donos’.

Nas eleições parlamentares, os nanopartidos sempre foram balcões para venda de legendas a candidatos inexpressivos ou para negociatas que envolveriam tempos ínfimos de propaganda eleitoral nas mídias eletrônicas, algo sempre atraente para os grandes partidos, sobretudo nas eleições majoritárias: quanto maior a ‘sopa de letrinhas’ montada por um candidato a prefeito, governador ou presidente da República, mais espaço abiscoitavam no “horário eleitoral” transmitido obrigatoriamente pelas emissoras de rádio e televisão.

Isto resultava, quase sempre, nas eleições de candidatos que sem as tais coligações jamais conseguiriam ocupar cadeiras nos parlamentos municipais, estaduais ou no Congresso Nacional. Assim, na sombra desse engenhoso ardil legal, pessoas têm sido eleitas para relevantes cargos políticos sem o bafejo na necessária legitimidade representativa.

Com efeito, as coligações não passam de alianças eleitorais que os partidos fazem entre si para aumentar suas chances de obter resultados positivos nas urnas, como se vê do artigo 6º, da Lei das Eleições (Lei nº 9.504/1996): “É facultado aos partidos políticos, dentro da mesma circunscrição, celebrar coligações para eleição majoritária, proporcional ou para ambas, podendo, neste último caso, formar-se mais de uma coligação para a eleição proporcional dentre os partidos que integram a coligação para o pleito majoritário.” É bem certo que sua existência se justifica nos pleitos majoritários para prefeito, governador e presidente da República e até de senador, jamais nas eleições proporcionais para deputado (estadual, distrital e federal).

O mais grave é que a coligação sempre reunia candidatos e partidos sem qualquer afinidade política e ideológica, ademais desse arranjo ter “a duração da rosa de Malherbe”: finda a eleição deixa de existir e cada partido segue seu rumo político, o que resulta em enorme déficit de legitimidade na representação política, além de enfraquecer os partidos.

Assim, depois de sobreviver a inúmeras reformas políticas a coligação tem um ponto final, ao menos com esse nome e as características afiguradas na Lei nº 9.504/1996. A inventividade sem limites dos nossos deputados federais, todavia, pariu outro monstrengo que nada mais é que a velha coligação vestida de nova roupagem: a federação partidária. E que diabos é isso?

Na explicação extraída do informativo da Câmara dos Deputados a tal federação é o sistema que “permite que os partidos com maior afinidade ideológica e programática se unam para atuar de maneira uniforme em todo o País e, ao mesmo tempo, contribui para que os pequenos partidos ultrapassem a cláusula de barreira.”

“Ela funciona como uma forma de agremiação partidária, formada até quatro meses antes das eleições. Durante três anos, eles deixarão de atuar como partidos isolados e passarão a agir como se fossem um único partido.”

“Hoje um partido pode se coligar com outro para uma eleição e desfazer a união logo em seguida. As coligações na eleições majoritárias (para prefeito, governador, senador e presidente da República) continuarão a valer.”

A roda girou, girou e voltou para o mesmíssimo lugar. Em suma, ‘leopardamente’, é mudar para deixar tudo com antes. E permanecerem intocados os interesses de uma elite política pervertida, atrasada e não menos impatriótica que sabe o óbvio: tanto faz bater na cabeça como em cima do chapéu que a cobre.

Coisas deste Brasilsão desembestado de ladeira a baixo.

Paulo Linhares é professor e advogado

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Categoria(s): Artigo

Comentários

  1. Elves Alves diz:

    “…A elite brasileira, os donos do poder e seus serviçais”. Pense num clichê saturado.
    É tudo que o leitor não precisa para começar um domingo.
    Melhor mesmo começar pela reinvenção da roda. Ou da pólvora, para espantar o pavor.

  2. Marco Limeira diz:

    Bom dia. Desculpe-me a ignorância, mas gostaria de uma definição bem clara, de cunho eminentemente pragmático, de elite, donos do poder e seus serviçais. Creio que tal definição seja relevante, edificante, para que possamos identificar, em nosso cotidiano, exatamente, quem são tais figurinhas.

  3. FRANSUÊLDO VIEIRA DE ARAÚJO diz:

    Meus Caros, à luz da compreensão política, econômica e, sobretudo cultural, temos uma série de cotejos, análises e ponderações objetivas, as quais podem muito bem nos levar a realmente identificar tais figurinhas, estejam elas imersas e insertas em qualquer dita classe social.

    Primeiro, entendo que elite não necessariamente tem que ser considerada classse social e sim um agregado de pessoas que pensam de modo tradicional, aristócratico e sempre sempre de forma excludente.

    Também podendo ser definida positivamente como, determinada faixa da sociedade organizada que contemple um alto grau de inteligencia e de cultura lato sensu, não necessariamente compreendida como pessoas de visão estreita, excludente e reacionária, e sim, como pessoas com visão includente e humanista que atravéss do saber cultural, do talento e posição social, contribuem decisivamente com a inserção social e participação cultural daqueles que o estado historicamente houve por excluí-los.

    Muito embora alguns histriadores geralmente contemplem Marx e Engels como principais teóricos na contrução e formação do conceitos de elite (O QUE NOS LEVA AOS HISTÓRTICO DO FEUDALISMO, BURGUESIA E OUTRAS CLASSES SOCIAS, DO PONTO DE VISTA HISTÓRICO, SOCIOLÓGICO E ANTROPOLÓGICO) , o que, claro tem sua racionalidade histórica e razoabilidade no plano das ideias sociais e políticas, porém, entendo que a pricinpal dificuldade das pessoas, em compreender e entender o processo e o conceito do seja elite entre nós, especificamente no caso do Brasil, deriva da nossa incapacidade de leitura, do processo de desinformação à que maioria da sociedade foi historicamente submetida, assim como das várias realidades sócio culturais coexistente na vastidão do nosso continental território.

    Claro, óbvio e ululante que há em nosso país uma imoral e exarcerbada concentração de renda e poder, e, por conseguinte, alto grau de controle de parte de meia dúzia de familia ricas, as quais detém o poder econômico, político, juridico e midiatico frente à maioria desassistida. O fato, não necessariamente explica o todo da nossa contradição histórica e conceitual, que à meu ver tem ver diretamente com a cultura de exclusão originária do período escravocrata, a qual ao longo do processo histórico e formação do povo brasileiro, amalgamou um certo grau de compreensão, servilismo, servidaão comprendidas como respeitos e, sobretudo alienação cultural e política, no que muitas vezes, leva , inclusive o favelado pensar como elite, muito embora tenha uma condição social, anos luz distante dos seus reais algozes políticos.

    Aqui na terra de pindoram, à meu ver em grande aprte em virtude da falta de oportunidades, mormente da concentração e monopólio dos meios de comunicação social, assim como de uma real aversão à leitura, inclusive de parte dos ditos alfabetizados, muitas vezes, pecebemos claramente que grande parcela da nossa população tem verdadeira incapacidade, diria ojeriza, no campo da argumentação e do pensar político, assim, nada mais consequewnte, que o não exerc´cio do pensar e (ou) refletir, ou seja, grande parcelas da sociedade, tal e qual um ventrilóquo, pensar o seu dia-dia , suas necessidade e aspirações como determindo pleos donos dos oligopólios de comunicação, seja ele digital, escrito, falada e (ou) televisado, no que por via de conseuquência, não raro, levam ao poruco pensar restrito ao pensar, exata e conceitualmente como a elite dominante determina (TRANFORMANDO POLITICAMENTE O POBRE, NO MAIOR INIMIGO DELE PRÓPRIO), e como dito alhures, muitas vezes grande parte dos ditos pensadores da maioria excluída,tornam-se elite no pensar, não obstante possuam domicilio e residencia na periferia das periferias das grandes, pequenas e médias cidades brasileiras.

    Em poucas palvras, entendo que o nosso maior patrimônio é a capacidade de pensar, relfetir e argumentar políticamente de forma lógica e prática frente aos nossos reais interesses, no que nos leva, necessariemte não continuamros submetendo ao imperio e oliólio da infromação e comunicação social, tedno portanto, a oportunidade de nos desimpregnarmos dos conceitos tradicionais, inclusive do que seja elite, e por via de consequência das algemas e dos grilhões que historicamente nos moldaram, nos prenderam e nos envolveram secularmente nos tentáculos da exclusão.

    Um baraço

    FRANSUÊLDO VIEIRA DE ARAÚJO.
    OAB/RN.

  4. João Claudio diz:

    Afinal, quem é essa elite que os PTralhas tanto odeiam?

    QUEM É? QUEM SÃO?

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