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domingo - 28/05/2017 - 08:17h

A vitória do riso

Por Paulo Linhares

Quatros décadas depois, ainda na memória aquela frase marcante de Hermann Hesse, no magnífico O Lobo da Estepe, para quem “o humor é sempre um pouco burguês, embora o verdadeiro burguês seja incapaz de compreendê-lo”. No Brasil, ao que parece, parafraseando Hesse, é possível dizer que o humor é um pouco vinculado à atividade política e aos políticos, embora estes, quando transvestidos de representantes do povo, detestam os humoristas e o humor que tem como matéria-prima políticos e atividade política.

Triste é que neste momento de tanta roubalheira explícita temos um enorme déficit d bons humoristas: morreram Chico Anysio, o filósofo Millôr, o cartunista Henfil; calaram-se Juca Chaves, Jó Soares, Agildo Ribeiro, Tom Cavalcante e até o indefectível Zé Lezim.

Ninguém ri mais das picaretagens dos representantes do povo que, por obra e graça dos diligentes concursados da magistratura e do Ministério Público, se transformaram em reles membros de “organizações criminosas” e candidatos a vistosas delações, como delatores ou delatados. Sombrio. Ridículos. Sem graça alguma, a não ser aquela tal Mônica Moura a remoer chicletes amargos e risos amarelos.

Por isto foi que, matreiramente, trouxeram a lume o inciso II, artigo 45, da Lei das Eleições (Lei nº 9.504, de 30 de setembro de 1997), que atenta contra a liberdade de expressão quando proíbe as emissoras de rádio e televisão, na sua programação normal e noticiários, a partir de 1º de julho do ano das eleições, “usar trucagem, montagem ou outro recurso de áudio ou vídeo que, de qualquer forma, degradem ou ridicularizem candidato, partido ou coligação”.

Sem dúvida um enorme retrocesso no conjunto das instituições democráticas nacionais. Ora, no inciso IX do artigo 5º da Constituição da República está expressa a garantia fundamental de que “é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença”, que se choca inapelavelmente com aquele dispositivo constitucional.

Nem tudo, todavia, está perdido, pois ainda havia e há juízes em Brasília. Sim, por decisão liminar do então ministro Carlos Ayres Britto, do Supremo Tribunal Federal (STF), hoje aposentado, foram liberadas, as emissoras de rádio e televisão para fazer humor com os candidatos, partidos e coligações envolvidos nas eleições, tendo como pressuposto a inconstitucionalidade do referido inciso II, artigo 45, da Lei nº 9.504/97 que, pela decisão proferida, teve a sua eficácia suspensa imediatamente, até final julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adi) ajuizada pela Associação Brasileira das Emissoras de Rádio e Televisão (Abert).

De quebra, o então ministro Ayres Brito igualmente suspendeu, por vício de desconformidade com o espírito da Constituição, o dispositivo da mesma Lei nº 9.504/97 (inciso III, art. 45) que proíbe as emissoras de rádio e televisão, depois de 1º de julho do ano das eleições, “difundir opinião favorável ou contrária a candidato, partido, coligação, a seus órgãos ou representantes”. Ambas disposições são incompatíveis com o princípio democrático, no qual se funda o Estado brasileiro.

O humor, aliás, é eminentemente de oposição às estruturas de poder estabelecidas. Humor a favor do poder é caricatura ridícula. Getúlio, o maior dos estadistas tupiniquins do período republicano não apenas sabia como tirava enorme proveito disto. Governo é, sempre e sempre, fadado às aguilhadas de quem tem arte e inteligência para fazê-lo.

Claro que o exercício legítimo da liberdade de expressão, na atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, a despeito de independer de censura ou licença de qualquer natureza, também tem limitações na própria Constituição que, no inciso X do artigo 5º, assegura que são.

Assim, quem se sentir agredido na sua imagem ou na sua honra, inclusive aqueles que são candidatos a postos eletivo, podem buscar judicialmente medida que façam cessar a violação ou, se for o caso, promover a devida reparação. Absurdo mesmo é a censura velada ou explícita, o amordaçamento das emissoras da rádio e televisão. Esse filme triste para a democracia já foi visto neste país e os estragos que causou.

O importante é acreditar que os diversos atores sociais – inclusive os humoristas – devem agir com responsabilidade, mesmo quando ácida for a crítica ou escrachado o deboche. O imprescindível é que sejam livres nossos pensamentos e suas expressões no mundo fenomênico. Liberae enim sunt cogitationes nostrae. Para lembrar as palavras de Cícero, em trecho de sua oração Pro Milone (29,79), sobre a liberdade de pensamento. E que o engenho, a arte e o riso sempre vençam a opressão e o obscurantismo.

Paulo Linhares é advogado

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Categoria(s): Artigo

Comentários

  1. Carlos André diz:

    Em tempos do “politicamente correto” humorista virou profissão de bandido!

    Viva a revolução socialista!!!!!

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