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domingo - 03/09/2017 - 12:30h

Advogado de defesa

Por François Silvestre

A maior parte do tempo em que exerci a advocacia foi no Direito Criminal. Não fui um criminalista na acepção clássica do termo, mas fui advogado de defesa.

Quando cheguei à Faculdade de Direito, pardieiro belo e triste, defronte da Rodoviária principal, no Bairro da Ribeira, a palafita dos versos de Cunha Lima, levava comigo a tentativa de imitar grandes nomes da advocacia penal, do Brasil e de longe.

Comecei estagiando nos júris populares, ao lado do criminalista Ítalo Pinheiro. Depois, já bacharelado, ainda fiz alguns júris com ele. E até um contra ele.

Das várias dezenas de júris em que atuei, nem sei quantos, apenas em três eu fui advogado do assistente de acusação. Isto é, auxiliar do Ministério Público, por procuração da família da vítima. A acusação foi vitoriosa nesses três júris. Um deles contra meu professor e amigo Ítalo Pinheiro, que estava na defesa. Faria de novo, no mesmo processo.

Meu lugar era na tribuna da defesa. E foi nessa condição que me dediquei com mais afinco à pesquisa dos textos da Escola Clássica do Direito Penal.

Tanto nas proposituras jusfilosóficas, nos arrazoados das circunstâncias da criminalidade, quanto na produção e legitimação das provas.

No campo das provas, impossível não nominar Nicola Framarino Malatesta e Carl Joseph Anton Mittermaier. Dois clássicos, de países e cultura diferentes, aproximados pela genialidade com que trataram o Direito Criminal à luz do cotejamento e aproveitamento das provas.

Pelo que se vê hoje em dia, na exuberância midiática dos operadores do Direito, principalmente na fúria ética da hipocrisia, parece que as lições geniais desses mestres são desprezadas ou sequer conhecidas.

Não pode ser um tempo de trevas que obrigue a desprezar os ensinamentos das luzes. Não será um violento que vai me orientar contra a brandura da justiça. Que deve ser rigorosa, mas não truculenta.

Firme, mas não brutal. Severa, mas não inserena. Legal, mas não ilegítima.

Propor prova ilegítima sob o argumento de combater a corrupção é o mesmo que defender a tortura para obter a verdade. E não será a verdade, pois o que nasce de uma mentira, mesmo sendo relato de um fato ocorrido, em matéria de prova, continua sendo mentira.

É melhor sacrificar a fúria duvidosa da ética de um tempo do que matar os princípios da dignidade humana, conquistas de todos os tempos.

Hamurabi teria vergonha do nosso tempo. Ele estabeleceu a Pena do Talião, onde a punição haveria de ser proporcional ao delito. “Olho por olho, dente por dente”. Brutal? Para o tempo de Hamurabi, não. Foi um abrandamento. Antes, o forte poderia cobrar a punição desproporcional ao delinquente mais frágil. Um olho por um dente.

O grave é que em matéria de prova e oportunidade de defesa, o nosso tempo precisa de um Hamurabi.

Estão querendo combater a violência e a corrupção agredindo e combatendo os princípios e conquistas da dignidade humana. E ainda por cima premiando a corrupção, pela via imunda da delação. Desde que os corruptos virem sócios dessa empreitada jurídica de negar a presunção de inocência. Nesse campo, não preciso de adjetivos; os substantivos me bastam.

Operadores de holofotes adjetivam e apresentam à hipocrisia social, encharcada de medo e sedenta de sangue, a defesa como cúmplice de delitos supostamente praticados.

É o “fórum” a serviço do embuste. A defesa há de espernear, contra toda patifaria, pois sem ela não há administração nem aplicação da Justiça. O fascismo não aceita o contraditório. Té mais.

François Silvestre é escritor

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Categoria(s): Artigo

Comentários

  1. naide maria rosado de souza diz:

    Quase toda a minha vida advocatícia , exerci-a no Direito Criminal, percorrendo quase todas as Defensorias Públicas dessa Comarca do Rio de Janeiro. Ainda na faculdade, participei de um júri simulado. Ao final, meu professor ponderou que, embora minha defesa tivesse sido boa, a minha voz era suave demais, quase um canto…não impressionava. Deu-me parabéns, mas com um conselho: “jamais seja criminalista!”
    Não provoquei a minha ida para o “crime”. Fui designada e me apaixonei. Sempre na defesa…sempre dos menos favorecidos.
    François, a delação é mesmo uma “via imunda” que desgraça a dignidade humana.

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