• Cachaça San Valle - Topo - Nilton Baresi
domingo - 19/03/2017 - 08:32h

Aos setenta

Por François Silvestre

A década dos anos Sessenta começava; início da adolescência, inocência e sonhos. O caminhão de mangaio de seu Tonheiro, apanhado em Olho d’água, levando-me para a primeira janela que o mundo me oferecia, cujos olhos alcançavam, até então, as estepes humildes de Viçosa. E a Serra do Martins, meus Andes possíveis.

A me perguntar, sobre a duração da vida, naquela época, eu me responderia não chegar aos Cinquenta. Dos meus dois pais, o de mesmo e o adotivo, nenhum chegou a essa idade. O que viveu mais, contou quarenta e nove. O outro, quarenta e três.

A primeira janela para o desconhecido foi o alumbramento. Na carroceria do velho mangaieiro, atravessamos a ponte do rio Barra Nova, recepção à entrada de Caicó.

Destino? O Ginásio Diocesano Seridoense, depois denominado Colégio, nome ainda hoje preservado. No GDS a experiência primeira de dormir de cama, ainda hoje prefiro rede. O bebedouro coletivo, com torneiras saindo de uma parede. Ainda hoje prefiro copos. E banho de chuveiro, substituindo a cuia e o tanque. Neste caso, sem saudade dos tanques. Viva o chuveiro.

Cinco anos de internato, onde fiz amizades preservadas até hoje. Muitos desses amigos vejo raramente. Mas estão sempre, vez outra, aboletando-se nos cômodos da memória.

Professores e colegas. Padres e leigos. Um Colégio dirigido por religiosos democratas. E estudiosos. Ali comecei a cultivar o agnosticismo, talvez pelo motivo dessa relação não opressiva. Guardávamos o direito ao livre pensar. Mantenho por aqueles padres e pelos professores leigos, alguns já falecidos, a deferência suave da gratidão.

Uma casa de estudos, orações e descobertas. Um claustro sem paredes e sem grades. A liberdade posta com restrições sem muros.

Depois, foi a Casa do Estudante, em Natal. Tudo completamente diferente, sem muita diferença. Cada um naquele pardieiro era dono dos seus limites. Sob a sombra frondosa de generosas árvores da pequenina Praça, meia ladeira do Paço da Pátria.

E depois o mundo. A luta do movimento estudantil, que a generosidade dos moços cobra e oferece a oportunidade de ser útil. A utilidade de ser contra. Inesgotável capacidade humana de ser humano. Tendo como justificativa a bandeira da liberdade. E quem não se arrisca ao sonho dela, não merece ser livre. Ou será livre devendo uma conta à história. Seja por ter colaborado com a sombra ou por não ter acendido uma chama.

Chego, pois, aos setenta anos. Nunca pensei ser possível. Mas aqui estou e acho muito pouco tempo. Quero mais. Muito mais. Quero ver os amigos envelhecerem comigo. Ver os netos crescerem. Perturbar o sossego das mulecas.

Viver a exuberante geografia do Brasil. A beleza de sua cultura popular. E essa democracia beiçola de tabaco, estabelecida, que se desestabeleça. Por outra Democracia, nunca por outra ditadura.

Té mais.

François Silvestre é escritor

* Texto originalmente publicado no Novo Jornal.

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Categoria(s): Crônica

Comentários

  1. Inácio Augusto de Almeida diz:

    François, você foi contemporâneo do GURI no Colégio Diocesano do Seridó? O diretor era o Monsenhor Walfredo Gurgel? O goleiro do time era o EDSON, irmão do Guri? Eu estudei no Diocesano do Serido nos anos 53/54/55.
    Se continuo obturado, culpa nenhuma cabe ao Diocesano.
    KKKKKKKKKKKKKKKKKKK
    ///
    OS RECURSOS SAL GROSSO SERÃO JULGADOS NESTE TRIMESTRE.
    AS DENÚNCIAS DO EX-PROCURADOR DA CMM ESTÃO SENDO ANALISADAS DESDE O DIA 06/12/2016

  2. François Silvestre diz:

    Sim, Inácio, contemporâneo de ambos. Só uma correção. Edson é o nome de Guri. Seu irmão é Eros, cujo apelido era Tabaco. Eros era goleiro e Guri atacante, dono de um chute potentíssimo. Ambos foram criados por Monsenhor Walfredo. O Monsenhor ainda levou Guri pra fazer teste no Vasco, time do padre. Mas guri, botafoguense fanático, não se interessou. Ao sair do Ginásio, nunca mais vi Guri. Eros ainda encontrei em Natal, tempos depois, quando ele era hóspede do Hotel Caicó, na Princesa Isabel. Brigado pela lembrança.

    • Inácio Augusto de Almeida diz:

      Então nós fomos contemporâneos. Você se lembra do estudante do colégio que se suicidou? Era um semi-interno.
      E do aluno que naquela noite da tragédia acordou aos gritos dizendo que o suicida tinha voltado para levá-lo dizendo que onde estava era bom? Este aluno foi levado pelo Monsenhor Walfredo para a secretaria do colégio e lá ficaram o Monsenhor e mais 4 padres rezando e rodeando o garoto até por volta das duas da manhã. Somente anos depois, quando o garoto assistiu ao filme o EXORCISTA é que ele compreendeu o que os padres liderados pelo Monsenhor Walfredo Gurgel tinham feito. Impressionante nesta história é que nunca mais o garoto se lembrou do nome do suicida, que era muito amigo de um irmão do garoto, e nem das suas feições consegue mais se lembrar. Só se lembra que o suicida jogava de zagueiro na seleção do colégio.
      ESTE GAROTO ERA EU.
      Meu e-mail é joaodealmeidamagalhaes@hotmail.com.
      Podemos trocar mais lembranças de uma época em que o Itans sangrando causou pânico na cidade pelo medo que causou a todos de arrombar.
      Ia falar da grande árvore em que eu subia e da caveira que existia na secretaria do colégio. Mas fica para a fase de e-mails quando até dos jogos de botão falaremos. Moro em Mossoró.
      Um abraço
      Inácio

  3. FRANSUÊLDO VIEIRA DE ARAÚJO diz:

    Caro François Silvestre, obrigado por mais um aula de história em suas reminicências pessoais permeadas/enriquecidas por personagens e fatos que refletem o estuário de um pouco da Geografia, Educação, Cultura, Política e História Potiguar.

    Um Baraço

    FRANSUÊLDO VIEIRA DE ARAÚJO.
    OAB/RN. 7318.

  4. François Silvestre diz:

    Olha, Inácio, fui contemporâneo de Eros e Guri. Mas, pelas datas que você colocou acho que nós dois não fomos contemporâneos. Eu só cheguei ao GDS em 1961. Abraço.

    • Inácio Augusto de Almeida diz:

      Realmente não fomos contemporâneos. Eu saí do CDS em 1955.
      Estive em Caicó há uns dois anos e fui ao colégio. A grande árvore e o esqueleto ainda estão lá. Soube por um ex-aluno que o irmão do Guri, jogava de goleiro, tinha falecido e que Guri aposentou-se como funcionário do BB e morava em Natal.
      Quantas saudades do tempo em que da janela da sala de aula eu ficava olhando os caminhões que subiam um morrote e seguiam em direção a Jardim do Seridó, Currais Novos, Santa Cruz e Natal.
      Saudades das noites em que Monsenhor Walfredo Gurgel levava os internos para assistir aos filmes num cinema que ficava perto da pracinha da Igreja.
      Hoje não mais existe o campo de futebol do colégio que ficava perto do muro do cemitério.
      Lembro-me bem do dia em que o Vasco ganhou o Madureira de 12 X 0 e da festa que o Monsenhor Walfredo Gurgel fez.
      Não consigo passar em Caicó sem visitar o colégio.
      No seu tempo ainda tinha o terço rezado após o jantar? E confissão que todas as semanas os meninos tinham que fazer? Nos preparavam para o céu sem que pedíssemos. KKKKKKKKKKK
      Um abraço

  5. François Silvestre diz:

    Belíssimas as lembranças de Inácio. E pra completar a generosidade de Fransuêldo.

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