• Cachaça San Valle - Topo - Nilton Baresi
domingo - 14/05/2017 - 10:35h

As injustiças do excesso

Por Paulo Linhares

A função de julgar exige serenidade. Quando os processos judiciais são usados para fins alheios à administração da justiça, sobretudo, como instrumentos de ação política, abre-se uma ampla janela para erros, excessos e indesejáveis desvirtuamentos desse mecanismo imprescindível de solução de conflitos – que envolvem interesses privados e públicos – a partir da aplicação das leis é que, de tão relevante adquiriu o status de um dos poderes do Estado, o Poder Judiciário. Em grosseira linguagem, sempre que a justiça age politicamente a deusa Têmis, ser mitológico que a representa, “senta praça” em algum bordel…

Aliás, no Brasil, o anseio pela transparência no ações e rotinas dos entes públicos originou a transmissão, em tempo real, de sessões de ambas as casas do Congresso Nacional e dos julgamentos do Supremo Tribunal Federal e demais órgãos do Poder Judiciário. Claro, a veiculação das discussões e votações parlamentares através de meios de comunicação eletrônicos não deixa de ser salutar para o fortalecimento da cidadania e das instituições  democráticas, pois, afinal, isto até reduz a abissal distância que separa o cidadão-eleitor de seus representantes.

Ora, diante da possibilidade de que sua atuação parlamentar possa ter ampla publicidade e chegue facilmente aos seus eleitores através dos meios de comunicação, os representantes políticos, deputados e senadores, são positivamente “intimidados” a votar de acordo com o pensamento médio dos eleitores. Enfim, a boa atuação política, nas democracias representativas, depende daquela capacidade que os representantes têm de captar “a voz das ruas”,  segundo conhecida expressão do ex-deputado Ulisses Guimarães.

No âmbito do Judiciário, todavia, a transmissão de sessões de julgamentos e demais veiculações midiáticas da atuação de todos os órgãos judiciários, como ocorre, acarreta mais prejuízos que efetivos ganhos político-institucionais, contrariamente do que se passa com o Poder Legislativo. Para a administração da justiça é sempre danosa a influência que a chamada opinião pública possa ter no resultado dos julgamentos judiciais.

Em alguns países, as fotografias e filmagens de sessões e audiências judiciais para divulgação midiática são rigorosamente proibidas, como ocorre nos Estados Unidos da América. Por isto, a imprensa ianque jamais divulga fotos de julgamentos, tanto que os grandes jornais contratam desenhistas para retratar essas sessões. Evita-se, assim, exposições desnecessárias dos órgãos judiciários e de seu membros, livrando-os em certa medida das pressões sociais.

A propósito, o juiz não precisa de ouvir aquela “voz das ruas” para julgar bem; deve, isto sim, julgar sempre de conformidade com o espírito da lei, com o que seja lógico e juridicamente razoável, mesmo que contrariamente à opinião majoritária a comunidade de cidadãos, inclusive, aquela veiculado pelos meios de comunicação. O Supremo Tribunal Federal, por exemplo, tem um papel contra-majoritário.

Por isto, tem sido rotineiro que o Congresso Nacional transfira os ônus políticos de algumas questões para o STF, principalmente naqueles casos em que a mediação do Poder Legislativo se torna onerosa sob o prisma político, podendo acarretar um colapso do próprio sistema político, inclusive, com prejuízos eleitorais para os congressistas, ademais da necessidade de construção de ‘suportes’ políticos em nada saudáveis às boas práticas republicanas, como o estabelecimento de vínculos de dependência em favor de certos grupos lobistas que passam a controlar a produção legislativa, direcionando-a ao atendimento de interesses pontuais por eles representados, tudo para configurar aquilo que se pode chamar de impropriedades sistêmicas.

O Poder Judiciário, mormente o seu órgão de cúpula que é o STF, na sua missão de interpretação, integração e aplicação do direito posto, sobretudo, da Constituição, pode  e deve, quando necessário, ir além do que possa ser o desejo da maioria, aliás, algo muito difícil de ser aferido. Esta, decerto, é uma das vantagens de não se ter juízes investidos a partir do voto popular.

Não sem razão o jurista alemão Peter Häberle assevera que os tribunais têm, a exemplo do nosso STF, a penúltima palavra em matéria constitucional, porquanto, a última há de ser reservada a quem compete fazer leis e mudar a própria Constituição, quando possível, que é o Poder Legislativo. Daí que, nem sempre, o nosso Supremo Tribunal Federal “erra por último” segundo expressão atribuída ao ministro Marco Aurélio Mello, porém, pode tomar decisões contra-majoritárias, ou seja, que não atendem os anseios da maioria da população.

Lamentavelmente, não é assim que tem ocorrido no Brasil, na medida em que as decisões judiciais, mormente nos casos de maior notoriedade, são pautadas pelo que professa uma parcela da opinião pública através dos grandes conglomerados de comunicação de massas, em especial as networks televisivas.

Em vários casos, o apelo midiático tem levado o STF a decidir no rumo ditado pelas mídias sociais e, por absurdo, nas trilhas delimitadas pelos barões que controlam grandes complexos de comunicação, em interpretações desautorizadas, e até teratológicas, da Constituição e da legislação infraconstitucional. Por isto mesmo, quando o STF toma decisões que contrariam o baronato da chamada “grande imprensa” (leia-se, Organizações Globo, o Estado de São Paulo, Grupo Civita, Folha de São Paulo etc.),  tem sido alvo de pesados bombardeios.

Ora, coibir determinados excessos, porventura, traduzidos em impropriedades sistêmicas, pode ser a tarefa final do STF, no desiderato de preservar valores de berço constitucional, sobretudos, os direitos referidos à liberdade. A utilização de prisões provisórias de longa duração, como forma de extrair colaborações premiadas, atenta contra o sistema de garantias do cidadão expresso na Constituição. Por isto, a despeito dos arreganhos da Rede Globo e quejandos, a Segunda Turma do STF decidiu, por exemplo, pela soltura do ex-ministro José Dirceu.

Sem entrar no mérito da questão, mantê-lo preventivamente preso por quase dois anos é fora de propósito e injusto. O mesmo se diga no tocante  às solturas de Eike Batista e José Carlos Bumlai. Foram decisões contra-majoritárias? Podem até ter sido, mas, capazes de corrigir excessos cometidos pelo Califado de Curitiba, cujos arroubos em nada ajudam a recolocar este país nos trilhos do Estado Democrático de Direito preconizado na letra da Constituição.

Por fim, mesmo sem desejar comparações, lembre-se aqui que, em famoso episódio que o juiz, dito Pôncio Pilatos, delegou às massas a decisão sobre a vida de um acusado e literalmente “lavou as mãos”, tivemos uma injustiça de açoites, humilhações e morte cruel que até hoje repercute no cotidiano dos povos do mundo…

Paulo Linhares é professor e advogado

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Categoria(s): Artigo

Comentários

  1. João Claudio diz:

    A revolta do povo consiste em:

    Se os ladrões que o Boca de Cururu Tei Tei mandou para suas respectivas casas pertencessem ao grupo PPP, ele não teria feito uso da caneta.

    Aliás, e pensando bem, processos envolvendo os PPP sequer passam na calçada do stf (minusculo), imagine serem beneficiados com Habeas Corpus.

    Isso é fato e revolta qualquer cidadão.

    Ninguém se conforma com os dois pesos e as duas medidas usados pelo judiciário, exceto o réu favorecido (políticos em geral, gente famosa, ”dotôres” ou metidos a, e os ricos).

    A esse grupo a justiça dá tratamento diferenciado. Isso é fato publico e notório, sempre foi assim e não será diferente até que aconteça o próximo Big Bang.

  2. Amorim diz:

    “Em alguns países, as fotografias e filmagens de sessões e audiências judiciais para divulgação midiática são rigorosamente proibidas, como ocorre nos Estados Unidos da América. Por isto, a imprensa ianque jamais divulga fotos de julgamentos, tanto que os grandes jornais contratam desenhistas para retratar essas sessões. Evita-se, assim, exposições desnecessárias dos órgãos judiciários e de seu membros, livrando-os em certa medida das pressões sociais.”
    Pergunto eu com todo respeito (de verdade) : nos outros paises temos um sistema “politico” com o nosso?
    Politico entre aspas pois isto é tudo menos politica. Tem outro nome. OCRIM!
    “Terceira Lei de Newton. A força é resultado da interação entre os corpos, ou seja, um corpo produz a força e outro corpo a recebe. Isaac Newton durante seus estudos percebeu que toda ação correspondia a uma reação.

  3. Raimunda diz:

    Dentre tantas informações veiculadas sobre o tema abordado, nenhum texto foi tão elucidativo quanto este. Concordo plenamente.

  4. João Claudio diz:

    ”O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, é uma fotografia ambulante do subdesenvolvimento brasileiro”.

    (J. R. Guzzo -Jornalista, diretor editorial do grupo EXAME e colunista das revistas EXAME e VEJA)

  5. Carlos André diz:

    Agora espero que próximo domingo o doutor fale um pouco da injustiça da omissão, logo pq esse é o trabalho do advogado, o eterno exercício do sofisma.

  6. João Claudio diz:

    E, para não passar em branco…VIVAS AO XERIFE.

  7. Raniele Costa diz:

    Qualquer excesso contra os donos desse país é bem vindo,nem que seja por um segundo, daqui à 500 anos eles cumprem as penas na sua totalidade.

  8. Marcos Pinto. diz:

    Quem ouviu atentamente o áudio do depoimento do Cara Lula Brasil, tem a certeza de que restou sobejamente comprovado que o melhor Presidente da República de toda a história política e administrativa do Brasil nocauteou de forma fulminante o juizeco de meia tigela com veementes arguições tuteladas pela rubrica da veracidade. Pela própria voz do incauto magistrado observa-se que o mesmo denotava certa apreensão e ansiedade na formulação das perguntas, tendo chegado ao cúmulo de apresentar ao Lula Brasil uma escritura de compra e venda apócrifa, sem nenhuma assinatura de comprador, indagando-o se ele havia comprado dito Apto Triplex. Até hoje ouve-se o ruidoso baque do juizeco no tatame da verdade. Derrubou-se, assim, a farsa montada para incriminar o Cara sem nenhum instrumento probatório apensado aos Processos.

  9. João Claudio diz:

    Perceberam?

    Nas Tvs de Manaus o depoimento do ”Nine” foi diferente.

    O ”Nine” ainda vai ser ouvido em mais 4 processos.

    Ah, o resultado do primeiro sai em junho, véspera de São João, véspera de ”quadrilhas”.

    Junho é logo ali.

  10. FRANSUÊLDO VIEIRA DE ARAÚJO diz:

    Caro Professor Paulo Linhares, parabéns pelo brilhante artigo, o qual infelizmente, deveras não é lido, e quado lido não é interpretadoe compreendido pela maioria dos que aqui, oportunizam sua leitura.

    Infelizmente o fato se dá, substacialmente por vários fatores, sobretudo de ordem histórica: Nosso passado escravagista/autoritário, assim como, em função do nosso caudaloso estuário de analfabetismo político funcional e a desinformação plantada disseminada pelos que se dizem jornalistas, e, em tese, teriam o dever de informar, aqui comumente e insitucionalmente chamado de comunicação social …..IMPRENSA deveras PIG.

    O mais são aleivosias, basófias, sandices, ódios, moralismo à la extrema direita e diversionismos retoricos à serviço da CASA GRANDE.

    Um baraço

    FRANSUÊLDO VIEIRA DE ARAÚJO.
    OAB/RN. 7318.

  11. João Claudio diz:

    “Em alguns países, as fotografias e filmagens de sessões e audiências judiciais para divulgação midiática são rigorosamente proibidas, como ocorre nos Estados Unidos da América.

    Amorim, escândalos como o Mensalão e o Petrolão nos EUA, sequer tinham existidos. Mas, por um descuido da justiça viessem a acontecer e quando descobertos, toda a quadrilha seguiria imediatamente para PRESÍDIOS COMUNS, quer fosse um cidadão comum ou o presidente do país. Lá, a lei é para todos e todos os cidadãos americanos são iguais perante a lei, enquanto que cá, além de KKK, apenas os PPP são obrigados pela justiça(???) a cumpri-las. ISSO É FATO.

    Quanto à impunidade, isso é coisa de hemisfério sul e acontece diariamente e mais precisamente no pais do futuro mais antigo do Planeta.

    Enfim, ROUBAR nos EUA é ”rigorosamente proibido”, enquanto que cá e dependendo do tipo de LADRÃO, ele sequer passa pela calçada de uma delegacia.

    E, pasme, quem evita de o LADRÃO passar pela calçada de uma delegacia, é a justiça. Apenas a justiça.

    Entendeu a diferença entre um país sério e um país esculhambado?

  12. João Claudio diz:

    Apenas para complementar o comentário acima:

    Mentir à justiça dos EUA dá cadeia a perder de vista.

    Já no país tupiniquim…hummmmm! mentir faz parte da cultura do povo e a lei dá amparo legal ao mentiroso.

    Ou seja, todos podem mentir perante a lei. Falar a verdade, NUN-CA.

  13. João Claudio diz:

    Perceberam?

    Os PTralha$ são unidos, falam a mesma língua e costumam elogiar os ”cunpamhêrus”.

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