• Cachaça San Valle - Topo - Nilton Baresi
domingo - 11/12/2016 - 10:12h

Cabra-cega

Por François Silvestre

Saltei do ônibus debaixo de uma neblina que imprensava os ossos. O Alecrim, que conhecia de nome e fama, era mais do que pensara.

Maior de tamanho do que imaginara. Mais gente do que jamais vira tantos juntos. Caicó, a maior vista até então, recolhia-se pequenina.

O Diocesano, que fora instrução e Casa, seria apenas retalhos brancos da despedida de inocência. Como nos versos de Navarro: “Vestes pretas cobrem meus pecados mortais./ Roupas brancas, nunca mais”.

Depois, para o Centro. E da Rio Branco para a Casa do Estudante. Uma nova morada? Muito mais do que isso. Uma nova vida pedindo arrancho ao mundo. E a novidade é a descoberta diária, a cumplicidade horária e o alumbramento que se estabelece nas relações da vida com a adolescência.

Casa do Estudante. A fisiologia, secundária. A vida cobrava sonhos. E o estômago não se presta ao sonhar. A bóia era escassa. A bandeja dividida em partes, com poucas delas ocupadas.

Feijão macaça, preto pela idade, em cujo caldo de água e óleo boiavam gorgulhos. Na pequena parte, à direita, uma batata doce. Na parte esquerda, um naco de rapadura. Na parte de cima, a “mistura”, que podia ser farofa de ovo.

Quando faltava água, descíamos até ao Paço da Pátria, onde havia um pequeno cacimbão. Com uma panela de alumínio, amarrada à tampa da cacimba, tomávamos banho.

Ao final da tarde ou início da noite, de roupa trocada, saíamos para a rua. Para o colégio, nos dias comuns; para o passeio nos fins de semana. Não permitíamos a ninguém o direito à piedade. Pobres e dignos, feito um mendigo espanhol. Éramos iguais, mesmo entre conhecidos de famílias ricas, que estudavam nos colégios particulares.

O Salão Nobre, de pobre nobreza, amparava estudos e entusiasmo.

Nossos colégios eram públicos. Tão bons quanto os outros. Atheneu, Pe. Miguelinho, Anphilóquio Câmara. Geralmente os mesmos professores. Disputávamos em pé de igualdade as aprovações nos vestibulares.

Desses colégios; Marista, CIC, CPU, eu vim a ser professor, preparando alunos para o vestibular. Alunos que hoje são muito mais importantes do que eu, e ainda me prestam a homenagem com mimos e elogios. Com amizade e generosa deferência.

Era um tempo de luta. Sem heroísmos. Apenas a oferta que a História faz, a algumas gerações, por escolha do destino, do desafio à edificação de sonhos. E não se edifica um sonho coletivo sem desprendimento e generosidade.

Mas havia uma Pátria. Mesmo dividida. Nos porões, o miasma de sangue e sêmen no útero fedido dos seus cárceres. No escondido das ruas, a penumbra da resistência. “Um estranho cheiro de súplica”.

Se não a Pátria ingênua de Olavo Bilac, do Hino à Bandeira, uma Pátria mendigando amparo. E a crença da feitura.

E hoje, cadê a Pátria? Aí está. Brincando de cabra-cega.

Té mais.

François Silvestre é escritor

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Categoria(s): Crônica

Comentários

  1. João Claudio diz:

    99,99% dos brasileiros não sabem o significado de patriotismo. Seja ele rico, pobre, branco, negro, jovem, adulto, gordo ou magro

    Existe no brasil um falso patriotismo que é exercido pela população a cada quatros anos, e apenas durante os jogos da seleção brasileira. Isso não é patriotismo nem aqui e nem na China. É torcida por um titulo.

    Fim dos jogos, as bandeiras, a garra e os gritos são guardados/poupados e só reaparecem quatro anos depois.

  2. João Claudio diz:

    Fidel Castro no Além.

    Um cordel de Raimundo Cazé descreve o encontro entre o ditador cubano e Satanás

    -o-

    Primeiro ele foi ao céu

    Onde foi mal recebido

    E lá não pode ficar

    Por ser ateu conhecido

    Foi então para o inferno

    Tristonho e desiludido

    Na casa do satanás

    Ele deu logo de cara

    Com um velho guerrilheiro

    O médico Che Guevara

    Junto com Sadam e Chavez

    Numa recepção rara

    Cara a cara com o capeta

    Fidel foi interrogado

    Fazia muita careta

    Ao falar do seu passado

    E toda vez que mentia

    Era ali chicoteado

    Tiraram-lhe logo a barba

    Puxando fio por fio

    Disseram que aquilo era

    Um pequeno desafio

    O ditador se tremia

    Como se fosse de frio

    No seu quarto de dormida

    Havia uma fogueira

    Aquecendo o ambiente

    Como uma frigideira

    Um colchão de pedregulho

    Numa cama de madeira

    Foi o médico Che Guevara

    Que para o diabo apelou

    Para que tivesse pena

    Do colega ditador

    Que quando foi presidente

    Somente o bem praticou

    Che Guevara convenceu

    O temível satanás

    De que Fidel poderia

    Criar um clima de paz

    Entre o céu e o inferno

    Como na terra se faz

    Daí por diante o demônio

    Tratou Fidel com carinho

    Certo de que poderia

    Trilhar um novo caminho

    Coisa que nunca ninguém

    Conseguiu fazer sozinho

    Desconfiado da ideia

    De paz com o reino de Deus

    Satanás disse depressa

    Que o diabo tem os seus

    Passando assim a seguir

    O exemplo de Mateus

    Chamou Fidel a um canto

    E logo ali quis saber

    Que exemplo ele tinha

    Para lhe oferecer

    Foi aí que o ditador

    Resolveu esclarecer

    O meu maior inimigo

    Foi os Estados Unidos

    Durante 50 anos

    Estivemos divididos

    Mas agora temos paz

    E está tudo resolvido

    Mas o diabo nesse instante

    Surpreendeu o Fidel

    Disse que não aspirava

    Fazer as pazes com o céu

    E que preferia mesmo

    O seu destino cruel

    Chamou Guevara pra perto

    E disse meu bom amigo

    Seu colega Fidel Castro

    Está livre de castigo

    Você merece atenção

    Pois sempre foi bom comigo

    É meu médico predileto

    Nada posso lhe negar

    O Fidel é muito esperto

    Mas eu vou lhe ajudar

    Criando um departamento

    Para ele comandar

    Fidel Castro estremeceu

    Naquele raro momento

    E ali se ofereceu

    Cheio de contentamento

    Para criar no inferno

    O setor de fuzilamento

    O diabo respondeu logo

    Isso aí tá superado

    Fuzilar quem já morreu

    Não diminui o pecado

    Procure outro caminho

    Que eu olharei com cuidado

    Fidel sugeriu depressa

    Criar um banco de dados

    Dizendo a hora é essa

    Não vamos ser atrasados

    Devemos saber depressa

    Quem são nossos aliados

    Satanás ficou alegre

    Com a ideia em questão

    Prometeu dar todo apoio

    Em qualquer ocasião

    Para que o banco de dados

    Não fosse uma ilusão

    Uma semana depois

    O banco estava criado

    Um acervo digital

    Com nomes selecionados

    Onde o velho Raul Castro

    Foi o primeiro anotado

    Veio o Kim Jong – un

    O ditador coreano

    Também Nícolas Maduro

    Líder venezuelano

    E ainda evo Morales

    O índio boliviano

    Fidel relacionou Lula

    Como grande companheiro

    E que muito ajudou Cuba

    Com doação em dinheiro

    Junto com Dilma Rousseff

    Num acordo verdadeiro

    Outro que entrou na lista

    Foi o preso Zé Dirceu

    Que segundo o ditador

    Foi um bom aluno seu

    E que treinado em guerrilha

    Tudo o que quis aprendeu

    Fidel destacou Dirceu

    Como um ser iluminado

    E que nunca se excedeu

    Quando esteve exilado

    E que hoje na prisão

    Tem sido bem comportado

    Ficou então comprovado

    Que satanás e Fidel

    Caíram um para o outro

    Como a sopa no mel

    E que juntos lutarão

    Para derrotar o céu.

    FIM

    (Augusto Nunes – Jornalista de Veja).

    o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o

    ”Ofereço esses versos a todos os simpatizantes de ”Fudel” Castro e do Lula ”Amigo” da Silva”.

  3. carlos alberto diz:

    Residi por 06 anos na casa do estudante, hoje em pedaços, que vergonha ao Estado brasileiro. Mais 06 anos de residência universitária de petrópolis, valeu a pena. A casa do estudante foi um celeiro e um trampolim para muitos que ascenderam na vida e à família de muitos alto oestanos,ajudando a quebrar o ciclo da pobreza peremptoriamente presente na nossa labuta da vida. parabéns pela recordação que muitos viveram umarizalense dos cajuás. sou seu admirador e vizinho/patuense!

  4. naide maria rosado de souza diz:

    Passeio nos caminhos de sua crônica, François Silvestre. Ótimo passeio.

  5. João Claudio diz:

    Hoje, a casa do estudante de Natal parece mais um presidio mal assombrado que ficou de pé após a 2ª guerra.

  6. François Silvestre diz:

    Naide e Carlos Alberto, seus cometários melhoram meu texto. E afagam meu Domingo!

  7. Francy Granjeiro diz:

    Procure saber e veja a reação de líderes mundiais após morte de Fidel Castro
    LULA2018

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