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domingo - 29/01/2017 - 07:44h

Demoquera

Por François Silvestre

A terminação “quera”, “uera”, “puera” ou simplesmente “era”, dependendo da letra de junção, do tupi guarani, que formou inúmeras palavras no português falado do Brasil, tem um sentido especialíssimo.

A ligeireza, como diria Kerubino Procópio, de alguns historiadores definiram essas palavras como sinônimos de associação. Exemplo: Anhanguera. Aprendemos nos livros de história que significava “diabo velho”. Apelido que os índios puseram em Bartolomeu Bueno, bandeirante que ateou fogo ao álcool, ameaçando queimar os rios, para assustar e conseguir informações sobre minas de ouro.

Essa definição peca pela pressa. Anhanguera quer dizer aquele que não é o diabo, mas possui características dele. Assim como “tapera”. Que não é mais uma casa, mas guarda resquícios dela.

Itaquera. Não é mais uma pedreira, mas ainda se parece com ela. Ibirapuera, arbusto ou mata, guarda jeito da floresta que foi.

E assim saímos do campo da sinonímia para a metáfora silvícola. No português a metáfora envolve um enunciado que supera a comparação e produz uma imagem poética.

Na linguagem dos índios a metáfora se dava no corpo da própria palavra. Na oralidade que jorrava da interação com a natureza e suas crenças.

Posto o nariz de cera, vamos ao palhaço. Não há Democracia no Brasil. Pela razão simples de que os governos exercidos no país têm vários proprietários, excluído o povo.

Se Democracia é governo do povo, e se o povo não é dono do governo, não há Democracia.

Porém, entretanto, mas porém, como diria Zé Limeira, a Democracia possui algumas características que o Brasil preenche.

Temos liberdade formal, prevista em lei. Temos eleições, com Justiça Eleitoral funcionando. Somos livres para locomoção, quando os bandidos permitem.

A ordem administrativa divide-se em instituições. Cuja bagunça constitucional transformou numa valsa da marquesa doida. Ninguém sabe onde começa ou termina a prerrogativa de cada poder ou de cada órgão. Ou se o órgão é um poder ou um quase poder, ou ainda semi-poder. Isto é, ordem institucional do semi-quase.

Donde se conclui que se não é Democracia, mas guarda características dela, vamos nos valer da metafórica linguística dos índios. Somos uma Demoquera. Aquilo que não é Democracia, mas possui trejeitos dela.  Assim como tapera, cujos escombros informam que ali houve uma casa.

Tivemos uma experiência democrática, com as virtudes e defeitos da nossa compleição, no período seguinte da ordem constitucional da Carta de 1946.

O golpe civil-militar, de 1964, militarizado após o escanteio dos civis, interrompeu o ciclo. E mergulhou o país nas trevas que ainda hoje afugenta sinais de luz. Tudo que aí está é resultado da quebra do ciclo histórico.

Só uma Constituinte Originária terá legitimidade para restaurar a Demoquera e refazer a Democracia.

Té Mais.

François Silvestre é escritor

* Publicado originalmente  no Novo Jornal.

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Categoria(s): Artigo

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