• Cachaça San Valle - Topo - Nilton Baresi
domingo - 24/04/2011 - 12:04h

Filhos… melhor amá-los

Na TV, a cena insólita e bizarra: Câmera de um condomínio capta movimento ardiloso de uma mulher jovem, com embrulho à mão, jogando-o sobre um enorme container de lixo. Depois, a curiosidade de um passante descobre uma criança entre os dejetos.

A maternidade indesejada, o filho que deveria não vir, transformou-se num estorvo. Um enredo repetido, tantas vezes aqui, ali, acolá. Tão humano.

Minutos depois leio uma situação diametralmente oposta, no celular, em forma de torpedo: "Botei meu sobrinho para dormir. Realizada".

Ah, isso é amor!

Na Internet sei mais sobre a criança convertida em lixo: Teria dez dias de nascimento, passa bem. Vai viver, apesar da mãe. "Vitória", prenome mais do que apropriado, é sugerido ao seu batismo.

Um amor desfeito, o desapontamento com a falta de apoio, teria levado a mãe a "desová-lo". Virou "aquilo". Fruto do seu desatino, da imprecaução de ambos ou da pura frieza.

O que dizer das mães da Praça de Maio, na Argentina? Há décadas clamam pelo direito de se reencontrar com a história de seus filhos desaparecidos, em plena ditadura militar.

Como medir a dor da mãe que acorrenta o próprio filho à cama, para impedi-lo de ser morto pelo tráfico ou pela polícia?

Assim mesmo é difícil de entender a mãe que, após anos de tentativa de inseminação artificial, ganha três crianças e resolve – ao lado do marido – escolher uma para se livrar. Só queria duas.  A "excedente" ficasse por aí, na maternidade.

Isso é amor? Não! Um jeito a mais de ser egoísta. Só.

Somos mesmo um ser egoísta, sob o prima da genética, nos escaninhos da biologia? Essa "seleção natural" nos empurra a alguma coisa que pareça humano? Ou humano é exatamente isso?

Bem, são tantas perguntas e perguntas…

Filhos? Melhor não tê-los! Mas se não os temos, como sabê-lo? – provocava Vinícius de Moraes em seu "Poema enjoadinho".

Como não sentir a dor de sua dor?  Impossível não absorver a aflição do queixo rasgado na queda abrupta, a arenga na escola, a nota vermelha do boletim, a lágrima inundando seu rosto com o aceno nos dizendo "adeus" ou "tchau".

Fazem-nos rir com o primeiro palavrão tosco: "Seu calai!!!" Abobalha-nos com a procura no diminutivo: "painho". 

Martirizam-nos com as noites febrís no pronto-socorro; o carro que passa zunindo, quase o levando; a distância. O engasgo que o sufoca à mesa; o vidro estilhaçado que faz jorrar sangue, que é nosso também, de suas mãos.

São pro mundo, vos digo. Sim, insisto. Mas como abrir mão da continuada missão de ser farol, o "Farol de Alexandria" para cada um deles?

Serão filhos, vitoriosos. Amém!

E se não vencerem, conforme o modelo de felicidade que estão nos impondo?

Na tristeza, também, são nossos filhos. Por trás das grades, sob sete palmos de terra, sufocado pelas drogas ou nos ignorando como  velhos ultrapassados e caquéticos.  "Coroas".

Adoráveis os filhos que vestem a camisa do nosso time de futebol; mas também os que a renegam.

Filhos tirados do lixo, concebidos com o amor ao bem-querer; filhos dos meus filhos, filhos dos meus amigos. Serão sempre filhos.

E quem disse que eles crescem?

"Meus meninos" é o que são, na boca de cada mãe. Na conversa final  do pai, quando os olhos se fecham para esse mundo – em despedida sem volta.

Filhos de quem não me tolera, o mesmo ressentimento como herança? Não.

Vem à lembrança a reação de um pai-amigo, diante de quem usara de má-fé contra uma filha sua, pela imprensa. Ao ouvir o interlocutor  inconsequente se defender, afirmando que "não sabia que era sua filha", ele lapidou uma frase dilacerante e definitiva:

– Fosse de quem fosse. É minha filha, mas  poderia ser de outro qualquer.

Como os filhos de Vinícius, todos são iguais perante nosso coração. Todos se parecem:

(…) Que macieza

Nos seus cabelos
Que cheiro morno
Na sua carne
Que gosto doce
Na sua boca!
Chupam gilete
Bebem shampoo
Ateiam fogo
No quarteirão
Porém, que coisa
Que coisa louca
Que coisa linda
Que os filhos são
!

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Categoria(s): Nair Mesquita

Comentários

  1. Edivanda Pereira diz:

    Filhos, razão do meu viver, como pode alquém jogar a se mesmo no lixo? Muiras vezes me pergunto até onde minha vida me pertence, pois meus filhos é minha própria vida, se felizes estão, feliz também estou. Mamadeira, leite, frauda, banho, a cólica, o remédio, o dentinho, o primeiro passinho, sorriso, o amor, o 1º dia de aula, a primeira prova, o vestibular; correndo o dia todo, estudando, trabalhando, o tempo pode passar, mais serão sempre meus filhos, há meus filhos… maior presente recebido de Deus, estes eu não comprarei em lugar nenhum, sem eles não serei ninquém. parte de mim, meu coração, minha carne, meu corpo, meu ter e ser, sim meus filhos. Como pode jogar tudo isso no lixo? Falta Deus no coração de quem abadona um filho.
    Bençãos a todos os filhos: Edivanda Pereira

  2. Izaurinha diz:

    carlos, qta beleza em sua postagem de hj, em filhos… melhor amá-los.. mais uma vez vc deixa seu coracao transcender em um amor incomum…gigantesco, intrinseco ate no torpedo q vc descreveu, simples e terno assim como q os poetas improvisam em decifra-lo.. irradiam de adjetivos de situaçoes, mas, o q lampeja eh o amor q geme e nutre… e q na memoria eterniza. amar eh simples! ja profetizou drummond, as coisas findas, mto mais q lindas, essas ficarão.

  3. WILLIAM PEREIRA DA SILVA diz:

    Mundo insano. Desumano. Valores revertidos. Corrupção profunda. Povo com educação inferior. Políticos oportunistas, sádicos. Nâo poderia dar noutra, o ser humano não esta valendo um juá podre. Estamos falidos como sociedade humanística, antropológica. Nada somos além de bonecos da providência, rede de consumo. Para os Capitalistas quanto mais miséria melhor, para religião idem. O valor humano acabou-se. Só vale quem tem. Pobre crianças que nasceram num tempo que são tratados como restos de um relacionamento bestial, irreponsável. Mãe não, hienas sim, animalescas. Tornei-me ateu por um simples fato. Deus não existe, caso existisse não permitiria tamanhas atrocidades que são cometidas neste mundo durante milhões de anos sem fim. Traga seu Céu para cá preguiçoso, que pra aí pouca gente vai, também assim!!!

  4. WILLIAM PEREIRA DA SILVA diz:

    As hienas; Suas sociedades são dominadas pelas fêmeas, o que não é comum entre mamíferos, e as fêmeas têm níveis de agressividade muito altos, gerando hormônios masculinos, o que de fato interfere na procriação. Até as crias são muito agressivas e é comum matarem-se umas as outras. As hienas nascem com os olhos abertos e os dentes inteiramente formados.

  5. Klintter Luiz diz:

    Parabéns! Seu texto descreve de forma sucinta e direta a realidade do ser humano com falhas e maldade! Maldade essa inadmissível para qualquer pai, mãe ou outro ser, seja ele racional ou irracional. Utilizar a “desculpa” de gravidez indesejada, apenas, nao nos convence. O mundo esta sem limite! Pais nao respeitam seus filhos e os filhos matam seus pais. A estrutura familiar influencia diretamente na formação do cidadão, seja ele pobre, rico, preto, branco, gordo, magro…
    Sem mais, deixo os meus sinceros votos e espero que continue a escrever tão bem, mesmo que tenhamos que ler notas sobre assuntos tristes e revoltantes.

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