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domingo - 12/03/2017 - 08:24h

João Almino e o pulsar das letras

Por David Leite

Novembro de 2015. Lá estávamos numa sala de apoio da Feira do Livro de Mossoró: João Almino, Jotta Paiva e eu. Jornalista, Jotta Paiva tinha o objetivo preciso de entrevistar João Almino. Enquanto que a minha “obrigação” era a de acertar detalhes para a sequência da “mesa”, que logo se desenrolaria no palco principal do evento, onde Almino seria o protagonista e eu, um mero coordenador.

Naqueles poucos minutos, estava meio complicado avançarmos nas tarefas, pois éramos interrompidos constantemente: primos e amigos de João adentravam à saleta desejosos em abraçá-lo, saudá-lo, ávidos em manifestarem a satisfação do reencontro. Por outro lado, representantes de entidades literárias e culturais também irrompiam reivindicando alteração no roteiro pré-estabelecido, no afã de prestar-lhe homenagens.

Intuitivamente fiquei observando o comportamento de João Almino. Aos parentes e amigos, João esboçava humanísticas reações, ou seja, sem alardes descabidos, contudo extremamente afetuoso, dispensava uma cordialidade que se estendia, na medida do possível, ao esforço de corroborar com as “reconstruções” das lembranças, muitas das quais sacadas dos recôncavos das memórias.

Almino e David Leite na Feira do Livro (Foto: cedida)

Em relação aos representantes das entidades, João delineava concordância quanto às ampliações propostas, porém sempre olhando para mim, como a perguntar se eu, como coordenador, não se opunha. Claro que a minha resposta era de aquiescência.

Seria descabido tolher aquele espectro de euforia que pairava no ar. Afinal de contas, era um filho ilustre que voltava à sua cidade numa condição especialíssima.

Particularmente, até então, não conhecia pessoalmente o nobre conterrâneo. Éramos amigos “virtuais”, vamos assim dizer; e, há tempo, fazíamos o chamado “escambo” de livros.

Enviei-o, por exemplo, nosso livro Cartas de Salamanca (Sarau das Letras, 2011), e recebi dele um agradecimento mais ou menos assim: “David, gostei especialmente desse seu livro, pois tanto fala sobre a Espanha, onde estou servindo como diplomata, como retrata aspectos de nossa Mossoró”.

Ainda estava em Salamanca, nos últimos meses do doutorado, quando João chegou à Espanha, na qualidade de cônsul. Costumava brincar com os colegas: “Estou doido que apareça um problema em meu ‘visto de permanência’ para eu ir ao consulado em Madri. Afinal de contas, seria muito bom um mossoroense ser atendido por outro mossoroense”.

Claro que era da boca pra fora, pois nem augurava o problema e, muito menos, queria importuná-lo.

Mas a vida nos reservou o momento de convergência literária. Significativo momento, diria. Já havia lido outros livros de João, entretanto Enigmas da Primavera (Record, 2015) me propiciou um prazer especial. Ambientado entre Brasília e Espanha, o romance desenrola-se dentro de uma perspectiva jovial, movimentada e calcada em um lastro de bem urdidas abordagens histórica e filosófica, num melhor diapasão possível.

Sem pedantismo, a obra nos leva a navegar, avaliar e sopesar sentimentos religiosos e políticos, que se tangem, na maioria das vezes, de forma equivocada. Naquela tarde-noite, tive oportunidade de entabular perguntas sobre o referido livro, para que o público pudesse ouvir esclarecedores comentários do próprio autor.

Ao fim e ao cabo, já nos bastidores, João Almino me fez um comentário, deixando-me com uma ponta de vaidade, confesso: “David, depois das perguntas, posso dizer que a sua leitura foi atenta e perspicaz”.

Bem, agora, quando da eleição de João Almino para uma das cadeiras da Academia Brasileira de Letras (ABL), me veio logo a vontade de escrever estas linhas. Por vivermos um momento ímpar: é o primeiro filho de Mossoró a galgar uma cadeira no mais festejado templo das letras brasileiras. Registre-se, o quarto potiguar.

Porém, por um cacoete mnemônico ou bairrista, derivado, talvez, pela aproximação dos nomes, o que não para de ressoar em minha cabeça é uma frase de Almino Afonso, tribuno da Abolição: “Os ventos do deserto prologam ainda estrofes suavíssimas de primor patriótico, repetindo, cem vezes o nome de Mossoró”.

Canhestramente, valho-me da frase de Afonso, para dizer que desta feita é o outro Almino, o João, que reverbera o nome de nosso chão com seu primoroso pulsar das letras. Elevando-o, assim, por inesperadas alturas.

David Leite – Doutor pela Universidade de Salamanca (Espanha) e professor da Universidade do Estado do RN (UERN).

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Categoria(s): Crônica

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