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domingo - 18/06/2017 - 09:12h

Justino

Por François Silvestre

Dos recrutas da Bateria de Serviços, do regimento de Obuses, naquele ano do serviço militar, um merece destaque pela compleição humana antagônica a qualquer fisionomia de enquadramento militar.

Analfabeto, indisciplinado, desligado. Até no andar ele negava a “elegância” militar. Andava balançando-se. O que o fez ganhar o apelido de “Carnaval”.

E assim era chamado, até pelos superiores. Justino passou mais tempo hospitalizado ou preso do que no serviço regular.

Gonorreia, cavalo de crista, cancro. Ou prisão, pelas voadas nos dias de guarda ou reforço à noite. Usuário de maconha, numa época em que o baseado criava estigma. Ser chamado de maconheiro produzia briga na certa.

Tudo isso numa personalidade quase infantil. Sem qualquer resquício de culpa.

Expulsá-lo seria a confissão de má avaliação no recrutamento, coisa que traria mais problemas para o comando do que para o recruta mal avaliado. A expulsão cria uma mácula para o comandante, que o atormentará pela vida e prejudicará suas promoções. Só isso pode explicar a permanência de Justino até fim do serviço militar.

O sargenteante, Serafim, descobriu que “Carnaval” não sabia cantar o Hino Nacional. Encarregou a nós, recrutas da BS, para ensiná-lo. Tentamos, em vão.

Diante disso, orientamos para que ele ficasse apenas mexendo os lábios, nas formaturas. Numa dessas, Serafim aproximou-se de Justino e descobriu o engodo.

Chamou-o à sargenteação. Mandou-o cantar o hino. Saiu algo mais ou menos assim: “Ouviro no ipiranga um povo retumbante”. O sargento, irado, mandou parar. “Aqueles bostas nem pra isso servem”. Referia-se a nós.

Foi aí que Justino perguntou: “Sargento, o qui danado é retumbante”? Serafim quase tem um infarto.

Num serviço de cortar mato, eu fui atingido por um recruta. Usávamos a estrovenga para cortar o capim. Uma espécie de enxadeco invertido, com a Lâmina para frente, ao contrário da enxada.

Num giro desastrado, Vanildo girou a estrovenga que me cortou o ombro direito e me abriu um talhe na cabeça. Cai sangrando. Aperreio do próprio recruta e do Sargento.

Levado para o Hospital Universitário, (Onofre Lopes) os cortes foram suturados. Daí fui para o HGuN, Hospital da Guarnição de Natal, vizinho do 16/RI.

Numa enfermaria, com recrutas de todos os quartéis, quem estava lá? Justino. À noite, ele fugia pros lados do Bosque dos Namorados, fazíamos a vaquinha para comprar cigarros. E maconha pra ele.

Numa dessas noites, ele não voltou. Por volta das nove horas da manhã, confusão no Hospital. Era Justino que chegava dirigindo um ônibus da linha Alecrim/Santos Reis. Ele disse que estava ajudando um colega doente.

Numa das paradas, sobe o Cabo Damasceno, da nossa Bateria. O cabo o prendeu e mandou que ele levasse o ônibus para o HGuN. Com reclamação dos passageiros. Mais uma vez Justino na prisão. Té mais.

François Silvestre é escritor

* Texto originalmente publicado no Novo Jornal.

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Categoria(s): Crônica

Comentários

  1. naide maria rosado de souza diz:

    Justino…trouxe alegria à minha manhã. Figura que, se passa por nossas vidas, não poderemos esquecer. Queremos bem.

  2. João Claudio diz:

    Justino mudou muito. Evoluiu até demais. Passou da conta.

    Querem um exemplo da mudança radical?

    Ele contribuiu para a ”vaquinha” de Zé Dir$eu, chorou com a prisão de Genoíno Cuequeiro, é eleitor do PT, de Dilma e de Lula.

    Querem conhecer Justino?

    Durante as manifestações do sem terras, olhem atentamente para cada um dos manifestantes.

    Aquele que estiver usando camisa vermelha, um boné da mesma cor na cabeça com as iniciais ”CUT”, segurando um cartaz em uma das mãos com os dizeres ”FORA TEMER – FORA GOLPISTAS e FORA TV GLOBO”, e a outra mão segurando outro cartaz onde se lê ”LULA 2018”…é ele, é Justino.

    P.S – Justino mudou, porque foi ”encantado”. Também.

  3. François Silvestre diz:

    Naide, a sua leitura engrandece qualquer texto.

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