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domingo - 06/08/2017 - 10:32h

O boi de dr. Chico e o voto de Vingt-un

Por Marcos Pinto

As pelejas eleitorais têm deixado um manancial de fatos folclóricos superpostos nos anais do tempo. Em Mossoró não tem sido diferente. As pugnas envolveram personagens de diferentes matizes personalísticos e partidários. Esforços inauditos enalteceram protagonistas que se distinguiram pelo espírito de renúncia.

O pleito do ano de 1957 revestiu-se de um caráter especial, dado o inusitado fato do líder Vingt Rosado ter reassumido o cargo de prefeito (afastara-se em licença por quase um ano) para, diante urna cidade atônita, lançar e apoiar decisivamente a candidatura do médico Antônio Rodrigues de Carvalho à prefeitura de Mossoró, enfrentando a candidatura do também médico Francisco Duarte Filho.

Conta-se, ainda hoje, que neste embate observa-se o emprego virulento da maledicência, da calúnia, da delação, da vingança e toda essa caterva de paixões inimiga da felicidade, acumuladas em alguns expoentes da politicagem de aldeia. A nobre seriedade com que Dr. Chico Duarte respondia aos ataques que lhe eram feitos revelava que era um homem de caráter marcado, de personalidade alheia a condicionamentos eventuais, contrastando com a servil postura de seu opositor.

A candidatura de Antônio Rodrigues significava o endosso e urna idolatria que confundia coisas distintas e cobria intuitos oligárquicos. Por sua vez. A de dr. Duarte Filho refletia a necessidade de mudança, de adoção de novos métodos administrativos em consonância com os reais anseios popa ares.

Naqueles remotos dias a plebe ignara tinha a mente intoxicada pela peçonha do ódio e da paixão, dividindo famílias, inimizando antigos companheiros, num caudal de traições sem precedentes. O médico Duarte Filho descendia de tradicionais estirpes, troncos de colonizadores e homens de negócios que desenvolveram atividades na Ribeira de Santa Luzia de Mossoró era um homem filiado à velha escola das definições partidárias e seriedade dos compromissos assumidos, de atitudes claras e rumos definidos. A todos dispensava a fidalguia do trato e a opulência de sua mesa.

Impressionava o cenário envolvente os comícios dos dois candidatos. Nas passeatas de Duarte entoava-se, à plenos pulmões a célebre canção do Pisa na Fulô. 0 povo cantava num ritmo frenético, cadenciado e sincronizado com o forte bater do pé direto no chão (o que provocava intensa poeira) e cantavam: Pisa na Fulô, pisa na Fulô, Dr. Chico piá prefeito e depois pra governador!…

No dia da acirrada eleição ouvia-se mesma canção, com diferente paródia, assim expressa: Pisa na Fulô/ Escorrega no capim/ comi do boi de Duarte/ms votei foi em Tonhim.

A quadrinha expressa o fato de que era costume, à época, fornecerem-se almoços os eleitores no dia da eleição, abatendo-se vários bois para atender à contento o eleitorado de cada um dos candidatos nos comícios de Antônio Rodrigues foi adotado, por Vingt, a tática do contágio emocional, deliberando em levar o povo a cantar o hino de sua campanha a prefeito em 1952, reavivando na memória popular o irmão falecido tragicamente há seis anos. E o eleitor de Vingt, que votava em Tonhim, cantava fervorosamente: Vingt Rosado surge agora/ como guia, um condutor/ todo povo aplaude e segue/ Num tributo a seu valor/ vamos todos para a luta/ uma vez com um homem só/ pela terra brasileira se levante Mossoró!…

Duarte Filho tinha, ainda, os velhos compadres que as rusgas e as desinteligências da política não conseguiram superar, nem diminuir a confiança e a estima. Era visível a sua liderança, o bem querer que lhe devotavam seus eleitores. Genildo Miranda era o seu companheiro de chapa, disputando o cargo de vice-prefeito. Tinha uma verve estonteante, hipnotizante. Os seus carismáticos discursos espraiavam intensa identificação junto à mesa eleitoral. Era deveras administrado por todos e querido pela maioria. Punha a condição da serenidade acima das paixões do partidarismo dominante.

Aproximava-se o dia da eleição. O frenesi tomava conta da cidade. Observa-se que a candidatura de Chico era amplamente acolhida e festejada, com claros sinais de iminente vitória. Há quem diga à boca miúda que, diante da crescente candidatura de dr. Chico Duarte, preconizando sucesso, iniciou-se um curso sigiloso nos escaninhos da memória maquinal, objetivando pregar uma “brejeira” nas urnas de Baraúna, já que as de Mossoró sinalizavam para uma vitória de Duarte.

Diz-se que um determinado tabelião era senhor de uma versatilidade assombrosa no ramo de forjar títulos eleitorais para beneficiar candidatos ligados à situação, agindo em consonância com deliberações preliminares para tal fim. Hipnotizavam os contrários na degradação abominável dos conchavos. Antônio Rodrigues era candidato entregue absolutamente ao personalismo dos homens do poder.

Diante as movimentações eleitorais escusas, pressentia-se o degringolar da derrota de dr. Duarte. Apuradas as umas de Baraúna. Houve reiteração à tese dos “arranjos” que se aprestaram às escondidas para garantir a vitória de Antônio Rodrigues.

O embate eleitoral de 1957 em Mossoró, fez escola. Aluízio Alves, tendo tomado ciência da “brejeira” nas urnas de Baraúna, desse mesmo “artifício “para, em 1968, infligir derrota à Vingt-un Rosado, beneficiando assim, outra vez, o sr. Antônio Rodrigues de Carvalho.

“Não há amigos nem inimigos políticos em se largando o mando e as pretensões a ele”.

Inté.

Marcos Pinto é escritor e advogado

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Categoria(s): Crônica

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