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domingo - 22/10/2017 - 09:02h

Repetir à exaustão

Por François Silvestre

Dizia Samuel Johnson que o patriotismo era “o último refúgio dos canalhas”. Ele não se referia ao sentimento de amor à pátria. Não. Cuidava da conceituação de um partido político da sua época, que trazia no nome a adjetivação de “patriota”.

Assim como trazem nos seus nomes, os partidos de hoje, tudo que é adjetivo bonito e vazio. Democrata, trabalhista, liberal, social, solidário, sustentável, socialista, comunista, progressista, humanista, feminino, urbano e mais uma penca de outros belos adjetivos.

Esse é o patriotismo partidário. Miçangueiro, daquelas quinquilharias que os mascates, montados em mulas, vindos do Oriente Médio, vendiam de porta em porta pelos grotões do sertão nordestino.

Libaneses e sírios, principalmente, com seu português enviesado, oferecendo sedas “legítimas”, espelhos floridos, perfumes “franceses”, brinquedos estranhos, pulseiras brilhosas, toalhas frondosas, lenços lisinhos, blusas de linho.

A chegada do mascate era esperada com economias guardadas no funda da mala. Num baú de recanto. Ou num canto escondido. A festa do consumo, que sempre acompanhou os sonhos do homem.

Era essa uma miçangagem saudável. Num acerto de contas sem contas de contrato. Num tempo de ingenuidade, perdido nas locas da história.

Mas não é disso que trata o presente texto. Trata de miçanga, sim. Mas de uma miçanga ruinosa, politiqueira e desonesta. A miçanga democrática do Brasil.

A quem interessa mudar esse quadro? Aos privilegiados? Aos miçangueiros? Às castas e suas corporações? Claro que não. Do jeito que está assim ficará. Reformas de meia-sola, discurso de enganação.

Tanto dos privilégios advindos das eleições, gambiarras democráticas, quanto dos privilégios adquiridos por concursos públicos, previamente selecionados entre membros das mesmas castas. E ainda há o grupo dos indicados, que assumem funções de remunerações astronômicas, com o viés da vitaliciedade.

Quem quer reformar? Se houver modificação estrutural, profunda, institucional e política, por uma Constituinte para esse fim, os seus privilégios perderão a razão de ser.

E o patriotismo deles, com fulcro nos seus privilégios, permitirá revisão da bagunça? Sem corrupção sistêmica não haverá necessidade de vender “controle”, caríssimo à burra do povo. Sem bagunça institucional, cessam privilégios.

Começa-se a ouvir vozes isoladas a falar em Constituinte Exclusiva e Originária. Assunto de que trato há mais de cinco anos. É a cruz que assombra as castas, santificadas de satanismo. Castas, poderes e subpoderes.

Em lugar de “operações” repressivas, sem controle real, o país precisa de cirurgia institucional. Erradicação tumoral, sem poupar tecidos infectados. A Constituição de 1988 esgotou-se no esgarçamento do próprio tecido, costurado com retalhos de corporativismo e demagogia.

A cruz do povo a assombrá-los é a Constituinte Originária. Sem vassalagem à ordem apodrecida de hoje. Té mais.

François Silvestre é escritor

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Categoria(s): Artigo

Comentários

  1. Eraldo Carlos diz:

    Bom dia! Muito verdadeiro…

  2. Amorim diz:

    Taí um cabra que não deixo de ler todo Domingo!
    Mais uma vez parabéns e obrigado.

  3. jb diz:

    Este que vos escreve confessa: dos códigos só sabe – através do professor Deonísio da Silva – que o Código de Hamurábi (1792-1750 -1730-1685 a.C.) pula o número 13, saltando do 12 ao 14 em sua lista de prescrições. Mas a propósito de uma Constituinte Exclusiva e Originária para nos redimir, não sei por que lembrei-me disto:”Faz-se uma lei, executa-se, não produz efeito, subsiste o mal.
    Eis aí uma questão que pode aguçar as curiosidades vadias, dar ensejo a um inquérito pedantesco, a uma coleta fastidiosa de documentos e observações, análise das causas prováveis, causas certas, causas possíveis, um estudo infinito das aptidões do sujeito reformado, da natureza do mal, da manipulação do remédio, das circunstâncias da aplicação; matéria, enfim, para todo um andaime de palavras, conceitos, e desvarios. Tu poupas aos teus semelhantes todo esse imenso aranzel, tu dizes simplesmente: Antes das leis, reformemos os costumes! – E esta frase sintética, transparente, límpida, tirada ao pecúlio comum, resolve mais depressa o problema, entra pelos espíritos como um jorro súbito de sol.”Machado de Assis, em ‘A Teoria do Medalhão’

  4. François Silvestre diz:

    Realmente assim é bem mais fácil e simples. Faz mais de um Século que Machado da Assis ensinou essa “saída” mágica. Que costumes mudaram, alem dos próprios costumes? Então, se a saída mágica não funcionou até hoje, tentemos a saída prática, ou possível. Essa história de mudar os hábitos em vez de mudar as leis, serve à manutenção dos privilégios e da bagunça. E fica tudo como antigamente, no quartel de Zé Dormente.

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