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domingo - 11/06/2017 - 06:17h

Semântica de cada tempo

Por François Silvestre

Cinza. É a cor da pintura nova do presente velho tempo. Nada de saudosismo. Nem da surrada fala dos avós, “no meu tempo num era assim”.

Cada tempo, outra fisionomia. Nem o espaço é o mesmo no tempo diferente, mesmo que seja o mesmo lugar não será mais a mesma geografia.

Uma coisa é absolutamente inquestionável: vivemos o tempo sublime da mediocridade. Nível medianamente posto abaixo da linha d’água.

Mediocridade política, intelectual, cultural. Até a honestidade adjetivou-se como “um prêmio” e não uma obrigação natural. E por ela, em seu nome, castas se empanzinam do marajanato mais cínico ante a miserável remuneração do rebanho.

Republicano era o adjetivo de partidos políticos, da semântica latina da coisa pública. Virou prostituição da semântica moderna, onde trampolineiros habituais usam-no para fazer faxina na sujeira dos seus discursos.

Legitimidade era o alicerce da Lei, que precisava legitimar-se para ingressar no estuário da legalidade. Legalidade era consequência, na forma da lei, legitimamente constituída com vistas ao bem público.

Diferentemente do agora, onde o embalo de cada onda ou o interesse de cada segmento produz as leis que lhes interessam. Ou lhes acobertam. Ou atropelam os mesmos interesses dos oponentes. Ou sempre foi assim?

O fascismo vestiu-se de roupagem suave, puritana, inofensiva. Os fascistas modernos não fazem anauê nem desfilam fardados. São macios, “democratas e republicanos”. O seu discurso é irrespondível, pois se agasalha no estuário da hipocrisia do senso comum.

Negociação política virou escracho sem qualquer pudor. Popular virou sinônimo de imbecil. O fórum é a casamata das vaidades ou das vinganças. Onde o processo é mais importante do que a vida ou a liberdade. Superior à Lei.

Pensão era nome de hotel, no interior. Igreja era lugar de orações. Norma, sinônimo de lei. Estado era sociedade organizada. Segurança, direito natural. Escola transmitia Educação. Cultura era alimento do espírito. Ladrão era termo ofensivo. Matar gente era crime.

Ásperos tempos. Talvez não tanto quanto os tempos de Brecht. “Vivi num tempo de guerra, sem sol. Comi minha comida no meio da batalha; vocês não esqueçam esse tempo”.

Num tempo desses dá pra renegar Satanás? No leito de morte, Voltaire recebeu a visita do pároco da sua freguesia. Perguntou o velho padre: “Voltaire, você renega Satanás”? O filósofo respondeu baixinho: “O senhor não acha que essa é uma hora muito inconveniente para fazer inimigos novos”?

Pois bem. Esse é o tempo da “nova” semântica. De conceitos velhos repintados com demão de farsa. Do cinismo engalanado para o festim de Belsazar. A cretinice substituiu a ignorância. Se abrirmos a Caixa de Pandora nem a esperança ficará presa e salva. Voará nas asas escuras de um morcego cego. Té mais.

François Silvestre é escritor

* Texto originalmente publicado no Novo Jornal.

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Categoria(s): Artigo

Comentários

  1. Inácio Augusto de Almeida diz:

    “Escola transmitia Educação. Cultura era alimento do espírito. ”
    REUNIÃO DE PAIS E MESTRES NO COLÉGIO EVANGÉLICO
    A grande oportunidade dos pais dos alunos expressarem suas preocupações com a EDUCAÇÃO dos seus filhos é nestas reuniões. No Colégio Evangélico a reunião acontece de forma diferente.
    Primeiro é feita uma oração e depois segue-se a fala de uma supervisora, que lendo um papel sei lá onde arranjou, fica ACUSANDO os pais pela falta de autoestima dos alunos, quando se apoiando num caso isolado, generaliza e diz que as crianças em casa são submetidas a um processo de destruição da autoimagem que dificulta sobremaneira o aprendizado.
    Fala isto na tentativa desesperada de justificar crianças na 8ª série que não sabem multiplicar e pensam que sujeito é o seu Manoel da padaria.
    O pior. Não deixam que os pais dos alunos possam fazer o contraponto.
    As crianças não desenvolvem na plenitude suas potencialidades porque professor de história, durante aula no COLÉGIO EVANGÉLICO, ao invés de ensinar história, fica ensinando que BEIJO DE LÍNGUA É BOM a crianças com 11 anos de idade.
    Não é a família que destrói a autoestima da criança, mas professor de história, que durante uma aula no COLÉGIO EVANGÉLICO, diz a uma menina de 12 anos que ela VAI CASAR COM UM TRAFICANTE, TER 4 FILHOS E MORAR DEBAIXO DA PONTE.
    Para evitar que os pais falem, caso único no MUNDO, distribuem papeis para que escrevam as reclamações que desejem fazer. E assim, um pai presente à reunião não sabe o que outro pai reclamou.
    Jesus Cristo nunca teve medo da verdade. Ele era a VERDADE.
    Por que num colégio EVANGÉLICO têm medo da verdade?
    Medo de que os pais dos alunos digam que as aulas este ano foram encerradas vários dias às 9h30 para não servirem a MERENDA ESCOLAR?
    Medo de que os pais dos alunos digam que a MERENDA ESCOLAR, nos poucos dias em que foi servida, se constituiu quase sempre de duas bolachas e um copo de refresco?
    Medo de que os pais dos alunos cobrem a entrega do UNIFORME ESCOLAR e protestem contra a venda de blusa dentro do colégio ao preço de R$ 15,00?
    O MINISTÉRIO PÚBLICO certamente irá apurar estas denúncias.
    Não se pode proibir, numa reunião de pais e mestres, que um pai se manifeste sobre assuntos do mais alto interesse da EDUCAÇÃO dos seus filhos.
    O QUE MAIS FALTA ACONTECER NA ADMINISTRAÇÃO ROSALBA CIARLINI?

  2. David Leite diz:

    TEMPO DO QUASE NADA

    David de Medeiros Leite

    A François Silvestre

    Somos rebentos (que desgastam
    as mãos da parteira),
    expelidos por um tempo de frivolidade.

    De um tempo
    onde o ideal
    – redundantemente utópico –
    sucumbe a forças indolentes,
    causando náuseas
    pelo apequenado
    e confuso conhecimento.

    De um tempo
    ornado de pragmatismo,
    protótipos-estereótipos
    – pobres em efígies -,
    desalterando
    corações serenos em selvagens.

    De um tempo
    que nos faz confundir
    visões ampliadas
    com pororocas humanas.

    De um tempo
    onde a mansidão
    transfigura-se em birutas de ares revoltos,
    levando-nos como papelotes usados,
    por parecermos pouco ou quase nada.

  3. naide maria rosado de souza diz:

    François Silvestre e David Leite, no mesmo dia, no mesmo assunto, transformam a leitura em estudo. Domingo do saber. “De conceitos velhos repintados com demão de farsa”, diz o escritor…”levando-nos como papelotes usados,
    por parecermos pouco ou quase nada”, diz o poeta. Só posso me manifestar pedindo à música um empréstimo:
    “não dá para segurar…explode coração!”…

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