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domingo - 04/09/2016 - 19:54h

A palavra de cada tempo

Por François Silvestre

Cinza. É a cor da pintura nova do presente velho tempo. Nada de saudosismo. Nem da surrada fala dos avós, “no meu tempo num era assim”!

Tempo nenhum é igual ao tempo outro. Nem o espaço é o mesmo no tempo diferente, mesmo que seja o mesmo campo não será mais o mesmo lugar.

Mas uma coisa é absolutamente inquestionável: vivemos o tempo sublime da mediocridade. Nível medianamente posto abaixo da linha d’água.

Mediocridade política, intelectual, cultural. Até a honestidade adjetivou-se como “um prêmio” e não uma obrigação natural. E por ela, em seu nome, castas se empanzinam do marajanato mais cínico ante a miserável remuneração do rebanho.

Republicano era o adjetivo de partidos políticos, da semântica latina da coisa pública. Virou prostituição da semântica moderna, onde trampolineiros habituais usam-no para fazer faxina na sujeira dos seus discursos.

Legitimidade era o alicerce da Lei, que precisava legitimar-se para ingressar no estuário da legalidade. Legalidade era consequência, na forma da lei, legitimamente constituída com vistas ao bem público.

Diferentemente do agora, onde o embalo de cada onda ou o interesse de cada segmento produz as leis que lhes interessam. Ou lhes acobertam. Ou atropelam os mesmos interesses dos oponentes.

E o pior: o fascismo vestiu-se de roupagem suave, puritana, inofensiva. Só faz cara feia para “defender a ética”. Os fascistas modernos não fazem anauê nem desfilam fardados. De jeito e maneira, como diria Ti’Orácio. São macios, democratas e republicanos. O seu discurso é irrespondível, pois se agasalha no estuário da hipocrisia do senso comum.

Negociação política virou escracho sem qualquer pudor. Popular virou sinônimo de imbecil. O fórum é a casamata das vaidades ou das vinganças. Onde o processo é mais importante do que a vida ou a liberdade. Superior à Lei.

Pensão era nome de hotel do interior. Igreja era lugar de orações. Norma era sinônimo de lei. Estado era sociedade organizada. Segurança era direito natural. Escola transmitia Educação. Cultura era alimento do espírito. Mentira era exceção.

Ásperos tempos. Talvez não tanto quanto os tempos de Brecht. “Vivi num tempo de guerra, sem sol. Comi minha comida no meio da batalha; vocês não esqueçam esse tempo”.

Num tempo desses dá pra renegar Satanás? No leito de morte, Voltaire recebeu a visita do pároco da sua freguesia. Perguntou o velho padre: “Voltaire, você renega Satanás”? O filósofo respondeu baixinho: “O senhor não acha que essa é uma hora muito inconveniente para fazer inimigos novos”?

Pois bem. Esse é o tempo da “nova” semântica. De conceitos velhos repintados com demão de farsa. Do cinismo engalanado para o festim de Belsazar.

Se abrirmos a Caixa de Pandora nem a esperança ficará presa e salva. Voará nas asas escuras de um morcego cego.

Té mais.

François Silvestre é escritor

* Texto originalmente publicado no Novo Jornal.

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Categoria(s): Artigo

Comentários

  1. naide maria rosado de souza diz:

    Atento para: “Diferentemente do agora, onde o embalo de cada onda ou interesse da cada segmento produz as leis que lhes interessam. Ou lhes acobertam. Ou atropelam os mesmos interesses do oponente.” E mais : “Negociação política virou escracho sem qualquer pudor.” Sinto uma espécie de medo, François Silvestre.

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