Por François Silvestre
Deslocar um objeto para trás, no passado, equivale a reduzi-lo aos seus elementos mais simples. E seguidas tão longe quanto possível, na busca das suas origens, veremos que as últimas fibras do composto humano confundem-se com o próprio estofo do Universo.
A assertiva de Teilhard de Chardin vai muito além das fronteiras da biologia ou da antropologia. Há uma necessidade de procurar, perquirir e saber quem somos. E nessa busca, se possível, atingir o “de onde viemos”.
Deixando de lado a questão maior, da evolução ou criação, quero tratar do mais simples. Da origem que cada pessoa na busca de si mesma, da sua genealogia. Como se fosse a procura de uma casa ou abrigo no ontem de cada um.
Daí que há sempre, felizmente, quem busca informações sobre a própria genealogia. Isso não é pedantismo ou orgulho étnico. Muito pelo contrário, é uma necessidade pessoal. Uma vaidade sadia.
E quanto mais longe, no passado, viaja essa busca maior a chance de aproximar-se dos seus elementos mais simples. Do seu estofo pessoal. Dos laços mais longínquos que sustentam as primeiras e últimas fibras do seu umbigo.
Esteja esse cordão umbilical perdido num monturo de maternidade, na cidade grande, ou ao pé de um morão de um antigo e abandonado curral. Numa fazenda que só pastora lembranças.
Necessário pra quê? A resposta é que deu Ernst Fischer sobre a necessidade da arte. É necessária; não sei pra que, mas é.
Ele conta sobre um costume dos índios do Xingu. O indígena pinta a panela de barro, com belos desenhos. Ao levá-la à primeira fervura, o fogo desmancha a pintura. E fica só a mancha preta no barro. Ele sabe disso, mas não põe a panela na trempe sem pintá-la.
Não há explicação pra essa necessidade. É necessário e só. Como a necessidade da navegação dos aventureiros fenícios, que pela escassez de tempo à reflexão e pressa na comunicação inventaram as consoantes. Mesmo com o genial invento, navegar para eles era mais necessário do que juntar símbolos gráficos na evolução da linguagem.
Viveram do necessário, sem o saber, e inventaram o fundamental, sabendo muito bem. A linguagem nunca mais foi a mesma, no mundo ocidental. De sua sabedoria os poetas repetiram os versos que navegam a poesia. “Navegar é preciso, viver não é preciso”.
Porém, não se confunda necessidade da origem com a origem da necessidade. Dessa hereditariedade consagrada na nossa capitania.
Para saber a origem de alguns encargos, nos cargos dos diversos escalões, basta ver o sobrenome. Entre eleitos ou nomeados. Nós que elegemos sabemos da nossa origem deserdada.
Os eleitos, de origem nobiliárquica, repetem Giovanni Lorenzo di Médici, o Papa Leão X: “Deus nos deu o papado, vamos aproveitar”. Convocou os nepotes.
Aqui, de Santa Luzia ao Sal, o Papa Leão é o Diário Oficial.
Té mais.
* Texto originalmente publicado no Novo Jornal hoje.
François Silvestre é escritor
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