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domingo - 07/08/2016 - 10:26h

O oco do vazio

Por François Silvestre

Dizia-se, no sertão de falas vastas, que alguém de fora chegado, de onde não se sabia, vinha do oco do mundo.

O sertão é um feitor de falas. Desde a fala restrita, seca, pouco sonora de Graciliano Ramos até o som construtor de frases que espantam, na linguagem enviesadamente bela de Guimarães Rosa.

Mas nem o sertão consegue disputar com o poder público o enviesado da linguagem. A diferença é que nos grotões do povo entorta-se a linguagem para alcançar novas formas de comunicação. E há uma refeitura semântica.

Na comunicação do poder a linguagem sofre duas agressões brutais. A primeira é de ignorância mesmo. Analfabetismo oficial. A outra é de malandragem. Uso da linguagem para mentir, distorcer e vender otimismo.

A mentira na literatura não é mentira, é ficção. A ficção na política não é ficção, é mentira. E o poder público mente com tal suavidade que parece um batedor da verdade. Essas verdades “absolutas” que abastecem as crenças religiosas.

Cada um com sua mentira pronta para levar a verdade ao forno. Tostá-la e vendê-la, crua como se cozida fosse. E o povo, apressado, come cru.

O Brasil tem jeito? Sim. O principal jeito do Brasil é reinventar o jeito. Foi sempre assim. No momento atual a saída é um freio de arrumação. A coragem de refazer o que está desfeito.

Uma Constituinte Originária para a refeitura de uma nova ordem institucional. Com candidaturas avulsas e limitações à picaretagem partidária.

Com a proibição da candidatura dos constituintes nas eleições seguintes. Só aí já se retira da Assembleia Constituinte uma soma considerável de picaretas. Picaretagem partidária, evangélica ou coorporativa.

A ordem institucional decorrente de 1988 exauriu-se. Só não vê isso quem é cego político. Ou beneficiário de castas privilegiadas.

O país mergulha cada vez mais profundamente no vazio institucional. A casca se desmonta, por ausência de miolo que justifique a própria casca.

A “federação” nunca foi tão desfederada quanto agora. Vejam as realidades de dois entes federados vizinhos. Paraíba e Rio Grande do Norte. A comparação deixa o papa jerimum papando casca de estaca, feito bode faminto.

Quando o governador eleito Robinson Faria me convocou para uma reunião, conversamos sobre muita coisa. A motivação era o discurso de posse.

Ao ouvir o relato das suas intenções, comentei: “Olha, Robinson, se você fizer dez por cento do que está anunciando, será um grande governo”. Um seu auxiliar, que foi para a direção do DETRAN, repreendeu-me: “Esse é o mal. As pessoas se satisfazem com dez por cento. Vamos fazer tudo”.

Cadê os dez por cento daquele discurso? O auxiliar “Beleza” durou pouco no cargo. O prometido respeito ao servidor virou pó. Sem garantia de salário em dia, não há serviço digno.

E na indignidade qualquer discurso será o oco do vazio.

Té mais.

François Silvestre é escritor

* Texto originalmente publicado no Novo Jornal.

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Categoria(s): Artigo

Comentários

  1. Inácio Augusto de Almeida diz:

    “Ao ouvir o relato das suas intenções, comentei: “Olha, Robinson, se você fizer dez por cento do que está anunciando, será um grande governo”. Um seu auxiliar, que foi para a direção do DETRAN, repreendeu-me: “Esse é o mal. As pessoas se satisfazem com dez por cento. Vamos fazer tudo”.”
    Este é o comportamento padrão destes auxiliares. Imagino o tom de voz usado pelo “auxiliar”.
    Que ninguém nunca se espante se um dia ouvir de um destes, digamos auxiliares, que o CHEFE vai fazer é 101% do que está prometendo.
    Em Martinópole eu conversava com o filho do prefeito, por sinal dentista e que estava Secretário da Saúde, quando esbaforido chegou um destes “auxiliares”:
    Estão falando mal do doutor lá na Praça da Igreja. O Lucas está lá falando mal do senhor.
    O Lucas?! Logo o Lucas?
    Pois é doutor, o Lucas.
    E o que ele estava dizendo de mim?
    Ele tá lá dizendo para todo mundo que o senhor é um ótimo dentista.
    Quando o filho do prefeito riu e disse que se era isto que o Lucas estava falando, não estava falando mal, quem ficou com cara de zangado foi o auxiliar.
    Como não está falando mal dizendo que o doutor é um ótimo dentista.
    O DOUTOR É UM EXCELENTE DENTISTA!
    Conto esta caso para lembrar que para os “auxiliares” não existem limites quando se trata de fuxicar ou ser agradável. E como a presença destes chalaças torna mais agradável a vida dos poderosos…
    Só que os poderosos se esquecem que na quase totalidade dos erros que cometem está presente a figura do “auxiliar”. Se analisarmos a queda das grandes famílias no Brasil e no mundo encontraremos sempre presente a figura dos “auxiliares” a manter todos poderosos num mundo totalmente irreal.
    Ao Mestre François Silvestre, PARABÉNS pelo artigo.
    ////
    Aos apressadinhos esclareço que a minha amizade com o dentista filho do prefeito aconteceu devido a um amigo meu, Professor José Marcus Fernandes de Oliveira, de quem o dentista tinha sido aluno na Faculdade de Odontologia da UFC. Quando contei este fato ao Marcus Fernandes ele riu que quase não consegue mais parar. Pouco tempo depois afastei-me do dentista por ter descoberto que ela estava envolvido em maracutaias junto com o pai prefeito que terminou indiciado em processo por desvio de recursos públicos. Só não me perguntem quem denunciou as maracutaias que aconteciam na cidade.
    JURO QUE NÃO SEI.
    ////
    OS RECURSOS SAL GROSSO SERÃO JULGADOS ANTES DAS ELEIÇÕES.

  2. Inaldo diz:

    Interessante, o articulista resgata uma proposta feita por Dilma em 2013, a da constituinte originária para tratar da reforma política. No texto ele fala em “nova ordem constitucional”, mas se vê que na verdade o que almeja é uma “nova ordem político/partidária”. Dilma o propôs e foi ridicularizada.

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